sábado, 20 de dezembro de 2008

Mar e o Mar

Omar era um rapaz magricelo e branquelo,
que não gostava de praia.
não gostava de sandália, preferia saia.
(saia dela, a Mar)

Mar era o apelido de Marcela.
tudo que fosse de bom, era dela,
menos panela
(ela não gostava de cozinhar)

Omar viu a Mar e começou a divagar:

se mar fosse feminino seria a mar:
só tirar um espacinho para que virasse amar.
Amar a Mar, é bem diferente do que amar o mar,
não gosto de praia.

Em resposta, ela começou a falar:

mas Omar, eu amo o mar!
ele faz dois, o luar;
ele faz música, o cantar.
Mar é masculino para ser mesmo Omar.

Omar deixou pra lá o gostar somente de Mar,
e os dois terminaram bem dentro do mar.
E da Mar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Queime Depois de Ver



Ah, não gostei. Não gostei e não vou dizer que gostei ou elogiar o modo como os irmãos Coen fizeram para criticar organismos americanos como a CIA, cidadãos americanos como os personagens do núcleo da acabemia, ou a sociedade inteira.

Não vou dizer que eles foram geniais ao metaforizarem toda a confusão dos Estados Unidos em uma única confusão - a do enredo.

Discordo se disserem que é um humor fino, em seu negro véu. Não achei. Não gostei. E assim mesmo, tão infantil como age Brad Pitt no filme, continuo não gostando.

De que adiantam dois bonitões se um é mais besta que o outro? De que adiantam milhares de palavrões se o roteiro, para mim, não se sustenta? Fucker, fucker, fucker. Essa é a palavra mais dita. E adianta.

Por que são todos são estúpidos, ilógicos, imbecis? Aliás, para que serve um agente que há 20 anos não dispara uma arma - e ao disparar, mata, com um tiro na testa, um ignorante? Para que servem tantas trocas, tantas camas, tantos casais diferentes?

Serve só para me tirar da sala com uma cara amarrada, bem do tipo que eles queriam que as pessoas saíssem. Serve para me fazer rir da ironia ali contida. Serve para me achar também uma besta por ter entrado naquela sala de cinema e ali passado 93 minutos da minha tarde.

É, eles conseguiram.
Serviu.

Mas eu não gostei.

[E talvez não tenha gostado por pura hipocrisia, mas maior hipocrisia seria dizer que gostei]

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Passado Presente



Algumas vezes o passado nos persegue. Em uma carta inesperada, em um encontro ocasional, em uma despedida. Ele está ali, escondido no presente, em cada lembrança, cada foto revista.

Assim sentia-se o tradutor Rímini: sendo perseguido pelo seu passado, em um eterno conflito entre seu presente e suas memórias - muitas delas, literalmente perdidas.

Após um casamento de 12 anos com sua primeira namorada, Sofía, ele se vê na tentativa de retomar sua vida. Por oras, vida que se confunde com a da ex-mulher - por mais que o objetivo seja perdê-la em outras mulheres.

Sofía, por sua vez, busca reencontrá-lo - incansável, insasiável, aflita. É como um fantasma do que já foi, rondando a tentativa de nova vida do rapaz.

Doentia, muitas vezes a mulher dilacerada surge na trama angustiando cada vez mais o personagem, que também se torna cada vez mais envolto em uma certa ilucidez irremediável.

É como se ele fosse puxado para um passado que não tem fim, e apesar de agarrar-se às bordas do presente, tentando assim escapar, tem uma força maior que o empurra. Uma só mulher.

As outras que aparecem no filme, ainda assim, são tão fortes quando Sofía: Vera, com seu imbatível e paranóico ciúmes. Carmen, madura e serena. Enquanto a primeira traz em sua juventude a insegurança; a segunda parece ser um poço de tranqüilidade, dado, talvez, pela idade um pouco maior que a dos protagonistas.

Vera é intensa, ciumenta. Não agüenta imaginar uma segunda. Mesmo sendo ela, a segunda. Vermelho seria a sua cor. Passional. Assim como sua última cena - ou sua primeira.

Carmen, por sua vez, surge em um encontro de trabalho. Responsável, maternal. Não é a toa que, com Rímini, tem seu primeiro filho: Lúcio. Talvez, uma luz.

No entanto, é Sofía, em um de seus desesperadores momentos de insanidade, que surge. E o que sucede é o seqüestro do menino. Como conseqüencia, Rímini é impedido de ver sua ex-mulher e o garoto.

É o passado, outra vez, puxando-o fortemente. A loucura, o amor, o presente e o passado. Todos complexamente misturados, entre bilhetes de Sofía e pedidos para que ele separe as antigas fotos por ela guardadas até na brusca tentativa dele tentar reaver sua memória da língua francesa e inglesa: já não conseguia traduzir.

Por meio de reviravoltas, Hector Babenco expôs em linguagem cinematográfica o livro de Alan Pauls, O Passado. Em uma co-produção Brasil/Argentina e com roteiro em espanhol, o filme coloca Gael García Bernal e Analía Couceyro no papel do intrigante casal, e confirma o slogan - "A separação também pode ser parte de uma história de amor". Ah! ainda traz, como participação especial, Paulo Autran (falando em françês!). Voilà!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

É, amigo...


...Começou de novo o fim.

Fim de semestre, fim de ano. Aquele fim nostálgico que bota palavras e mais palavras em blogs, frases e mais frases de despedidas, apertos em corações que há tempos não se apertavam - ou melhor, que há tempos não se separavam.

Um aperto besta, doído, inexplicável. Até parece que ninguém nunca mais vai se ver. Até parece que amanhã não virá para aproximar o reencontro. Até parece.

Só parece. Se fosse... ah, se fosse aí sim não poderíamos nem explicar o que sentiremos em uma palavra unicamente brasileira: saudade. Explicaríamos em uma palavra mais internacional, antiga e teatral: tragédia. E aí sim o aperto não seria inexplicável. Seria terrível. Mais terrível do que já é.

Ou será que ele mesmo agora é terrível justamente por não ter explicação?

Pode ver. A partir de agora, a cada texto, ele aparecerá. A cada palavra, ele voltará. A cada foto que a gente insistir em ver. A cada jargão relembrado.

Sem nem perceber, nós vamos começar a propor aos outros "vambebêeeeeeee!". Não vão entender. E nós, jornotaiada, depois de anunciar com o fervor mineiro a vontade de bebemorar não vamos ter nem Oncinha, nem Hell Ice (para a sorte de vocês!). Vamos ter qualquer outra coisa, que junto de qualquer outros bons amigos, será de novo aquela coisa que antes de termos, tínhamos.

Pensei que nunca mais sentiria aquilo que senti ano passado - depois de uma vida com as mesmas pessoas, a separação de vez. E senti. Mesmo que não seja de vez.

Haja coração!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Reforma Ortográfica


- Fique tranquilo, pinguinzinho, a linguiça acabou mas sobrou ração!

- Não quero. Então eu quero o ceu, e colocá-lo num micro-ondas.

- Nada. Te darei, então, um livro de autoajuda e um creme antirrugas - só o suprassumo. Serve?

- Prefiro um autorretrato. Aliás, tenho que terminar a autoescola.

- Para de tirar o pelo, pinguim. Nem poder dirigir você pode. Quer comer uma pera e parar de falar bobagens?

- Pera! Só um minuto, que eu te perdoo pela falta de linguiça. Agora me vem com fruta... Só enrolação. Já comeu ovo com pão de kiwi (agora eu posso usar o "k" porque está no alfabeto! yes! "y" também!).

- Você está me deixando com enjoo. Whiskas sachê pra você (agora eu posso usar o "w" porque está no alfabeto! yes! "y" também!). Vou te colocar no zoo.

- Só se para isso eu tiver que pegar um voo.

- Você vai é de micro-ônibus, e nada de me dar um contra-ataque.

- Vou é chamar a minha amiga jiboia. Ela sim terá uma ideia ótima para fazer com que você me dê uma linguiça.

- Ai, não aguento mais! Você merece ser sequestrado para bem longe!

- Seria melhor mesmo. Prefiro um sequestro a esse diálogo louco com você.

Cara, depois dessa, nunca mais vi pinguim falar.

[Olha o que essa reforma ainda faz comigo!]

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Carta a un tio, y a ti también


A ver. Hace tiempo desde que no te escribo. A lo mejor, ya no sé como escribirte. Si, eso es. Los días se pasan como noches sin dormir, las horas solamente desaparecen mientras intentamos vivir.

Pienso que es tarde, pero aún tenemos la esperanza, ¿no? ¿De qué? De salir por la calle, jugando a algo - la rayuela que está en el suelo, ¿por que no?

Porque ya no eres una niña, tonta. ¿Cuando comprenderás que en el mundo los que paran para nada - que en la realidad, es todo - se pierden en el otro mundo, y el real problema es que ése otro mundo es mil veces mejor (lo que hace más que difícil intentar volver al estado natural del mundo normal...)?

Eso es. Lo que nos falta. Ahora saldremos a bailar como si no hubiera problemas o imagínate que el vino aun no se ha terminado.

¡¿Que pasó con las luces de este cuarto?! Todas se parecen más oscuras... que hiciste, cabrón? ¿O fuiste tú, voluntad de dormir, que ha cerrado mis ojos?

Creo que una copa de café no seria mal. A lo mejor nos despertaría. No, pero no. No tenemos que usar cafeína para abrir nuestros ojos.

Tenemos que usarnos. Yo a ti y tú a mi. ¿Viste?

Ay, que no entiendes nada. A ver la actual crisis de que tanto nos decían. Si que estamos todos perdidos. ¿Pero que hacer? Paremos para pensar, algo que poco se hace actualmente.

Después de pensar, cantemos algo que alegre aquellos que ya no se sostienen por unas pocas notas.

Cantar, bailar y arriba y arriba, capitán.

Después vuelvo a escribirte, cuando el querer una horchata sea mayor que querer un zumo de graviola.

Mucho gusto a ti - persona que acaba de leer.

domingo, 2 de novembro de 2008

Sentidos Perdidos V


Já não aguentava mais as reclamações da mãe. Tudo bem, ela não poderia mais cheirar, cozinhar nem cantar parabéns para o marido, mas ele não sabia como acalmá-la e isso apenas o irritava mais.

Decidiu tomar um banho, o mesmo que havia planejado tomar horas atrás. Ligou o chuveiro. Ouviu o barulho da água. Mas não sentiu-a molhar seu corpo.

Tentou pegar o sabonete, em vão. Escorregava em suas mãos como nunca antes escorregara. Tornara-se um inútil.


Não entendia o que acontecia, mas sabia que não sentia nada. Nem o calor da água que deixara sua pele vermelha e o ar do banheiro extremamente nebuloso, nem as bolhas de sabão formadas enquanto este pulava pelo box.

Cansou-se. O banho estava irritando-o mais ainda. O que estava acontecendo? Não sentia! Pôs uma roupa qualquer, e, pela primeira vez, foi como se não estivesse vestido. Mas ao contrário da sensação de liberdade ao ter o vento acariciando-o, podia sentir apenas a angústia de não sentir.

Saiu de casa para encontrar aquela que sabia tirar qualquer problema seu. Aquela que ensinava a ele as coisas mais simples e lindas do mundo. Aquela que estupidamente o largara na noite passada.

Seus pés, acostumados ao caminho de sua casa, seguiram sozinhos. Sua mente, agora povoada de berros da dona Clotilde ("Ah! Eu vou morrer! Acabou minha vida sem meu nariz! Filho! Faça alguma coisa!") e por vapor de água quente, viajava por um caminho obscuro. Por mais claro que estivesse o dia.

- O que aconteceu?

- Como? O que aconteceu? Comigo ou com você?

- Conosco.

- Conosco? Como você tem a coragem de aparecer aqui depois de tudo que você me falou ontem? Depois do jeito que você me tratou? Depois daqueles milhares de copos de bebida a toa?! - como se não bastassem os berros da mãe, teve que ouvir o berros da garota. Realmente, aquele não seria o melhor dia de ressaca que alguém poderia ter. Não que dias de ressaca fossem bons...

- Eu falei alguma coisa? Eu fiz alguma coisa? O que aconteceu? Se eu falei alguma besteira foi por ter bebido demais.

- Você simplesmente falou que não sentia mais nada comigo.

Abraçou-a, mas seus braços envolveram o nada. Passou a mão pelo rabo-de-cavalo dela - nada. Olhou-a nos olhos, apertou seus corpos, um contra o outro, com toda a sua força. Acariciou-a, por um momento quase pensou ter sentido a leveza do tecido do vestido âmbar ao entardecer da moça. Ilusão.

Tocou os lábios secos de álcool do dia anterior àqueles que sempre o esperavam macios. Beijou-a em um beijo nunca antes tido. Pelo menos, nunca lembrara de ter um como tal. Era um não-beijo. Não tinha nada. Nada de nada nem nada de nada.

Largou-a num impulso desesperador. Realmente, não sentia. Seria falta de amor? Seria doença de cansaço? Seria tudo uma brincadeira de mal gosto ou um daqueles pesadelos reais?

- É. Acho que não sinto mesmo. Sinto muito.


Saiu irritado. Incompreendido. Ela, bateu a porta.

Sem sentido, viu-se perdido. Era mais um com um sentido perdido.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sentidos Perdidos IV


Tocou a campanhia. Dona Clotilde, com seu avental de flores e seu vestido de bolinhas laranjas, foi correndo atender. Adorava visitas.

- É aqui o 134, né? Vim arrumar algum cano...

- Ah, pode entrar... - sua insatisfação era nítida, ao ver que não era nenhum encanador bonitão para alegrar seu dia. - Olha, pode ficar aí mesmo, é onde tem um cano com problema.

- Mas esse seu banheiro está muito fedido... Eu, hein, ainda vou ter que aguentar esse cheiro?
Clotilde não entendeu nada. Para ela, era o cheiro que sempre sentira. Normal. Cheiro de nada. Largou o moço e voltou para cozinha onde preparava o bolo de aniversário de seu marido.

Adorava cozinhar, principalmente doces. Sempre empanturrara seu Gerson de tortas de morango, de limão, pudins de leite, bombas de chocolate e bolos, bolos, bolos. Depois reclamava do tamanho da barriga do marido, ou da descoberta das diabetes.

- Ô mãaaaae...

Mal colocara o bolo no forno e teve que ir correndo ver o filho que acabara de acordar, com cheio de ressaca. Não percebeu. Só notou o rosto cansado do garoto.

- Que foi? Que horas você chegou ontem?

- Não sei. Só sei que eu precisava ir ao banheiro para tomar banho e tem aquele cara lá. Já não agüento meu cheiro, estou muito fedido, mano.

- Claro que não, filhinho, só está cansado. O moço vai arrumar o banheiro e depois você vai. Você está cheirosinho como sempre.

A mãe, realmente, enlouquecera. Ou estava com o nariz realmente entupido. Nem ele se aguentava com aquele odor desagradabilíssimo que saía de seu corpo após um dia e uma noite suando e nada de banho.

- Mas filho, que bagunça está esse seu quarto! Deixa eu arrumar um pouco...

O "pouco" dela, tornou-se horas de arrumação, e descobertas em meio às roupas amontoadas e revistas espalhadas.

- Mãe... Acho que tem alguma coisa queimando... Você está sentindo?

- Ah, deve ser o vizinho, você sabe como ele é!

Do banheiro, ouviu-se um berro. Era o encanador avisando que sentira cheiro de queimado vindo da cozinha.

- Esse encanador é muito intrometido. Onde já se viu, falar que alguma coisa estaria queimando se não há nem cheiro!?

- Na verdade, mãe, eu estou falando sério, está cheirando sim a queimado. Você não colocou nada no forno?

- Claro que sim, o bolo de aniversário do seu pai, mas acha que eu, nesses anos de cozinha que tenho, deixaria alguma coisa passar do ponto?

- Sei lá, mãe, o cheiro está realmente muito forte...

- Você está imaginando coisas, é o cansaço. - disse enquanto estendia os lençóis.

Um grito desesperado interrompeu a arrumação, era, de novo, o encanador:

- FOGO NA COZINHA!

Saíram correndo. A cozinha estava uma fumaça só. Mal se via o fogão, a geladeira. O cheiro era impossível, sufocante. Não conseguiam respirar. Dona Clotilde, porém, respirava. Não entendia da onde viera aquela fumaça.

- Ué, mas o bolo nem queimou! Como pode ter saído essa fumaceira? - disse após seu filho, com o instintor de incêndio, amenizar o fogão que era, literalmente, um fogão.

- Nem queimou? Isso é só carvão, dona!

- Nossa! É mesmo! Mas nem está cheirando a queimado...

Realmente, o encanador percebera que havia se metido na casa de uma senhora, no mínimo, sem nariz. E quase morrera em um incêndio.

- Mãe, você está doida? Olha isso aqui! Quase que a gente morre!

Doida ela não estava. Só não sentia cheiro nenhum. Seu olfato, de fato, estava com sérios problemas. E agora? Será que nunca mais uma flor seria carregada de perfume?

Se bem que para ela, flores não interessavam. A verdadeira preocupação era com as comidas - não sentiria mais aquele cheirinho de almoço pronto no ar. Não sentiria o gosto de seu almoço. Não saberia se a quantidade de sal está boa. Erraria o ponto de todos os bolos. Erraria a dose de açúcar.

E perderia o posto de "cozinheira-de-mão-cheia". Todos a criticariam. Deixaria de ser a melhor mãe/esposa/vizinha.

O jeito seria parar de cozinhar - pelo menos assim as pessoas não a veriam errar. Mas, em compensação, nunca mais sorriria ao ver alguém elogiar sua comida, em frente ao prato vazio.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Sentidos Perdidos III


Seu Caetano não entendia como aquelas pessoas podiam se irritar tanto com tão pouco. Se aquela mulher tivesse passado a noite em uma guarita, ela teria motivo para estar, no mínimo, irritada de sono - como ele estava.

O interfone não parara de tocar, cada hora alguém com um problema diferente, como se ele pudesse solucionar todos.

Já não aguentava mais aquele toque, outra vez irritando-o.

- Portaria, bom dia. - pelo menos rima ele fazia.

- Seu Caetano, hoje vai vir um encanador para arrumar meu banheiro, então eu gostaria que você liberasse a entrada. Depois também, se vier uma encomenda no meu nome - uma caixa grande, vermelho tijolo esmaecido - pode aceitar que não é nenhuma bomba, haha, e outra coisa, que horas o meu filho chegou ontem? Sabe como é, eu peguei no sono e agora que eu fui ver ele está lá, acabado, no quarto. Alguma idéia? Foi muito tarde?

-

- Desculpa, você pode repetir?

- !

- Olha, vou ligar de novo porque eu não estou ouvindo nada. Acho que deu defeito na ligação. Você está me ouvindo?

-

- É, não deve estar.

- !!

- Faz assim, espera 2 segundos.

Dona Clotilde, do 134, dona da caixa vermelha tijolo esmaecido, voltou a ligar umas 3 vezes, e nenhuma das vezes ouvia a resposta de seu Caetano. Deixa para lá. Ele deve ter entendido.

Não deu nem tempo de descanso para os ouvidos, interfone insistiu em tocar:

- Oi, você poderia interfonar para o 52 para mim?

-

- Alô, seu Caetano, o 52... Dá para você me responder? Alô? ALÔ?

-

- SEU CAETANO? SÓ ME PASSA PARA O 52!

Seu Caetano passou, enquanto o moço, irritado, achara que ele estivesse fazendo alguma gracinha.

Gracinha que nada! Era sua voz que não saía. Estava mudo.

Mudo, mas feliz: pelo menos agora podia se concentrar apenas no abrir e fechar dos portões, pois já não havia motivo para deixar o interfone no gancho - não conseguia fazer com que os outros o escutassem, mesmo!

Sem contar que agora ninguém mais reclamaria do seu sotaque puxado ou de seu tom de voz. Era tudo o mesmo - nada.

domingo, 26 de outubro de 2008

Sentidos Perdidos II


Chegou na garagem e achou estranho o carro pegar sem que ela antes ouvisse o barulho do motor.

-Seu Caetano! Abre o portão para mim!

O porteiro não abria, assim como ela não ouvira sua voz o chamar. Falou mais alto:

- SEU CAETANO, O PORTÃO!

-Calma, dona! Já vai!

Ela o viu murmurando alguma coisa e em seguida, o portão se abriu. Engraçado não ter ouvido seus berros e nem mesmo o que ele dissera - da próxima vez deixaria o vidro aberto.

Ligou o rádio, e antes mesmo de perceber qual música estava tocando, começou a cantar. Pelo menos isso pensava que estava fazendo. Não ouvia nada. Nem música, nem voz. Sabia estar ligada na estação. Sabia estar gesticulando. Sua voz não saía. Os sons não saiam.

Ou ela não ouvia.

Entrou em desespero. Começou a berrar, a buzinar... Parou o trânsito da esquina de sua casa. Pessoas se aproximaram, todas mexendo os lábios, mas não soltando vozes.

Silêncio absoluto.

Devia ter sido algum feitiço do Seu Caetano. Ela tinha certeza que ele devia estar com ciúmes de seus brincos cor de âmbar ao entardecer.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Sentidos Perdidos


O cheiro de café-da-manhã logo ao acordar o ajudou a prever, deliciosamente, como seria o dia. Espreguiçou-se, enrolou um pouco na cama e teve a certeza de que não estava atrasado. O despertador ainda não tocara. Animou-se. Abriu os olhos. Não viu nada.

Tateando as paredes, foi para a cozinha. Seguiu o cheiro. Sentou-se. Esperou um pouco, e ouviu o pão, que o esperava, pular na torradeira. Foi buscá-lo. Passou a manteiga, sentiu-a derreter, escorregar em suas mãos.

Percebeu que o barulho de água vindo do banheiro, cessara. Era o chuveiro que já não despejava água. Depois de uns minutos, pôde ouvir a tranca da porta se abrindo. O vapor quente combinado ao cheiro de banho deram a certeza de que ela estaria a caminho.

- Viu que eu deixei o pão na torradeira para você?

- Não. Estou cego, eu acho.

- Mas você está comendo... Cego? Você está doido. Enfim, esta roupa está boa?

- Qual roupa? Não consigo ver nada!

- A que eu estou vestindo, oras... Que indecência! A essa hora da manhã você vem me dizer que não está vendo minha roupa?

- Ela é de que cor?

- Como ela é de que cor? Você não percebe que é um vermelho alaranjado com tons de coral responsáveis exatamente por essa mistura única e pela originalidade na composição, que junto aos meus brincos cor âmbar ao entardecer, dá um toque especial à produção?

- Na verdade, não. Eu só vejo preto.

- Ai, vocês, homens, são mesmo uns insensíveis!

Pegou a bolsa e saiu irritadíssima, mas sem antes dizer:

- E vê se coloca café na xícara! Você está jogando tudo pra fora, molhando a mesa inteira. O açúcar, também. Eu é que não vou limpar essa bagunça. Credo. Parece um cego.

Bateu a porta.

Deixou-o com as mãos sujas de manteiga, o colo cheio de café quente que escorria da mesa, a mesma não-visão e a dúvida: como seria o âmbar ao entardecer?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Encontro

Anos desde aquela noite fria de crise. E ponha crise naquilo. Copos na parede, cacos de vidro no chão.

Fora a bebida, alguns disseram. Culparam as garrafas vazias pela separação. Os dois não tinham juízo. Impacientes, impulsivos. A vida corria como os carros na rua movimentada onde moravam. Chegou o tempo em que nem mesmo haviam tempo um para o outro.

Buscavam a independência. Mudaram-se para aquele apartamento bagunçado, cheia de papéis e embalagens vazias. Os dois. Sozinhos. Se bastariam. Ou não.

Precisavam de um espaço. Cada um o seu. Privacidade. Na geladeira, uma prateleira era de um; outra, era de outro. A cama, dividida pelos travesseiros.

Sentiam-se sufocados. Se um arrumava o banheiro, o outro logo reclamava não poder encontrar o creme de barbear. O creme hidratante, o rímel. Separaram-se.

Foi quando, em uma mesma noite fria, e em um mesmo bar - que nenhum dos dois antes freqüentavam -, os olhares se encontraram. Anos haviam se passado.

Se viram. Se olharam. Se enxergaram.

Finalmente, se encontraram. Ele já não tinha o jeito de garoto. Ela, era uma mulher. Conversaram, conversaram, conversaram.

A noite passara tão depressa, que nem perceberam serem os últimos a sair do bar.

Atreveram-se a voltar ao antigo apartamento. Não podiam deixar a aventura escapar como haviam deixado anos atrás. Agora, não. Sabiam como se comportar. Eram adultos.

O apartamento estava vazio. Empoeirado. Restava uma ou outra lembrança. Um caco em um canto.

Não precisavam de palavras. Aquelas mesmas, que deixaram escapar, quando precipitados viam seu futuro em conjunto, já não eram necessárias.

Sabiam o que o outro pensava. Sabiam saber isso antes mesmo de perceberem o quanto eram parecidos e diferentes.

Sabiam que tudo que economizaram ao evitar trocar bobagens para amenizar a rotina, agora poderia ser desperdiçado.

Agora sim. Sabiam o sempre que jogaram fora naqueles anos de separação. Encontraram-se, naquela noite eterna. Finalmente, novamente.

domingo, 12 de outubro de 2008

Separação


Garrafas no chão, copos quebrados, flores despetaladas. Havia tempo que um grito não cortava daquela maneira as noites frias pelas quais passavam.

Havia tempo, aliás, desde que brigaram pela última vez. Antes, discussões eram freqüentes. Diárias. Cansaram.

Desgastados pelos mesmos argumentos, moravam juntos; viviam sozinhos. Já não valia a pena discutir.

O apartamento era pequeno, bagunçado. Papéis, revistas, jornais velhos - passados. Guardanapos, embalagens vazias. Cinzas, cinzeiro.

Cheirava a centro. A rua, pelo menos, era movimentada - ao contrário da rotina em que caíram.

Os sentimentos antes claros e coloridos, escureciam-se, enfureciam-se, misturavam-se em meio à fumaça dos bares pelos quais passavam noites.

Bares diferentes, diga-se de passagem. A vida em comum, tornara-se incomum.

Já não se falavam. Não se viam. Há muito tempo se olhavam mas não enxergavam um ao outro. Enxergavam um no outro. Um deturpado no outro. Outro deturpando o um.

Esgotou-se. Esgotaram-se. Por um instante, não mais que um instante, decidiram: em meio a berros, cada um foi para seu lado. Para sempre.

Um sempre tão eterno quanto juravam ser o amor que antes sentiram um pelo outro.

Festa de Aniversário


Correria, gritaria, bexigas e presentes. Enfeites de mesa, monitores com macacões amarelos.

Ilarilariê. Quer dizer, isso era na minha época. Agora é Hanna Montana, High School Musical... até Fergie, você escuta em festinhas infantis.

Coxinha, empadinha, risoli frio. Coca-cola, fanta laranja, sprite. Prato, copo, garfo e faca de plástico. Altíssima qualidade.

Conversas aqui, acolá. Parentada.

- Você é a jovem, e eu sou a mais velha. Só nós duas não temos com quem conversar!

Conversamos.

Entra-e-sai de crianças, uma tropeça, a outra chora, todas riem.

Mais uma família convidada chegando:

- Como ela cresceu!

Cumprimentos mil. E o frio?

- Ai, acho melhor a gente fechar essa porta, viu. Essa friagem vai deixar todos resfriados...

- Sabe que semana passada todo mundo ficou mal, lá em casa.

- É, menina...

- Filho! Você está todo suado! Coloca esse casaco.

- Mas eu estou com calor, estou até suado! Você mesma disse...

- Mas se você sair agora, vai levar um choque térmico!

- Eu estava lá fora até agora!

- Vai colocar ou não vai?

- Não. Acho que já é hora do parabéns, olha.

Movimento no salão de festa do prédio garantiu o que supôs o menino. Era a hora dos parabéns. Todos em volta da mesa, em suas devidas posições.

Ela já estava em frente ao bolo, mirando a vela de número 9.

- Começamos?

- Falta o papai...

- ... eu estou procurando a câmera! - respondeu uma voz distante.

Gritaria. Todos ansiosos pelo bolo. A troca momentânea de papel: agora as atenções não se voltavam à filha. Eram todas para o pai. Mudança de protagonista.

- Deixa a câmera, olha só, a Joana está com uma, depois ela passa as fotos pra gente!

Teimoso, ou gostando de ouvir seu nome sendo chamado pelo salão, ele insistia em querer achar a câmera.

- Vai, pai, a vela vai apagar! - e com ela, apagariam as esperanças de poder fazer um pedido.

Pronto. Chegou. Acomodou-se ao lado da filha, deu um beijinho e o aval: "Parabéns para você..."

Por um momento, todos estavam envoltos na mesma melodia.

"... Nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida"

A menina, extasiada. Não sabia se batia palma. Sorria. Todos estavam ali para ela. Uma vez por ano estariam todos batendo palmas. Para ela.

"...Tudo! E como é que é?! É pique, é pique. É pique, é pique, é pique. É hora, é hora. É hora, é hora, é hora. Rá-tim-bum!"

Soprou as velas. Fez os pedidos. Saiu nas fotos.

No entanto, a cantoria não terminou: "Com quem será, com quem será, com quem será que..."

Ruborizou-se. Escondeu atrás da mãe, como se a grande protetora pudesse abaixar o volume das palavras e fazer com que todos se calassem.

"... Ele aceitou, ele aceitou, tiveram dois filhinhos e depois se separou."

Fechou o rosto. Separou?

Poxa. Se não bastasse a afirmação um tanto quanto prematura (convenhamos, foi-se a época em que com 9 anos seu casamento já estava predestinado!), ainda vinha essa de incluir o divórcio na musiquinha?!

Isso sim que é desanimador.

Ou não, isso são os tempos de hoje. A atual conjuntura. Um reflexo da modernidade. A contemporaneidade.

Talvez a separação veio justamente para se contrapor a certeza do nome do menino com quem ela se casaria.

Cortou o primeiro pedaço.

"Na lua-de-mel, na lua-de-mel, tiveram dois filhinhos chamados Manuel..."

Como se não bastasse casamento-relâmpago, ainda na canção existem as mães-solteiras ou as luas-de-mel fora de hora.

Na difícil missão de conciliar o casamento com a viagem, adia-se. No caso, adiaram-se, no mínimo, 9 meses, já que nela nasceu os filhinhos Manuéis.

E aí eu me pergunto: os dois se chamavam Manuel?

Seria uma forma de demonstrar a massificação ou a dominação dos portugueses em terras brasileiras? Ah, nenhum dos dois.

"Lá no restaurante, lá no restaurante, tiveram dois filhinhos chamados Elefante!"

Pronto. Esse foi demais. No restaurante?! As crianças nasceram no restaurante e, além do mais, foram chamadas de "Elefante"!

Animal. Se elas ainda tivessem nascido no zoológico, o nome seria mais compreensível (por mais que eu continue não entendendo esses tipos de nome).

- Esse é seu, Alice! Quer?

Acho que seria melhor aceitar. Depois de perceber a música que me acompanhou em inúmeros aniversários e que continua a acompanhar todas as crianças no dia em que o dia é só delas, exclusivamente delas, o melhor que eu tinha a fazer era comer o bolo.

Aceita um pedaço?

domingo, 5 de outubro de 2008

Já Pode Votar!


Sem dúvida, foi a frase mais falada neste meu domingo de chuva e tempo abafado.

Dentro da sala do colégio, sentada na cadeira verde, na companhia de mais três sortudos, lá fui eu cumprir meu dever como cidadã de uma república democrática...


Efeito Manada
Se as pessoas agem em bando, ou se é a partir do movimento de um único indivíduo que todos decidem agir, a freqüencia e horários para se votar não poderiam ser diferentes.

Tudo bem, é extremamente compreensível se notamos o fato em um restaurante - cuja fila de espera aumenta instaneamente após você chegar o que o faz pensar, enquanto folheia o cardápio : "nossa, se eu tivesse vindo 5 minutos mais cedo, olha onde eu estaria...". Depois, sorri satisfeito em meio aos nomes de comida.

Mas em meio a "confirmações de votos", "bom dia", "aguarde um minutinho", "pode ir" e inúmeros números de títulos fica difícil administrar todos formando fila na porta.

Na verdade, difícil é administrar o marasmo quando não há uma mísera alma votante...


Café
Faltou café. De manhã tudo era novo, a chuva batia lá fora, deu para se distrair. Começo de conversa com os companheiros de seção, coincidências aqui e acolá.

Histórias, anedotas, fatos corriqueiros que juntavam diálogos quebrados entre um ou outro barulhinho de confirmação de voto.

Agora à tarde... é, aí o bicho pega. Depois do almoço, depois da chuva; vem o sono, vem o abafado.

As preces do meio-dia ("ah, chega de chegar gente!") são exageradamente atendidas. Nada. Nem um cafézinho.


Números
Nada de café, tudo de números.

"Falta quantos minutos?"

"Quantos já vieram?"

"Dita pra mim. Espera, 0094 ou 3340? Como?"

"Digita: 4559 3934 5... 5? Ou 6? 6 ou 3? Espera, não dá para ler. Começa de novo. Vai lá: quatro-cinco-cinco-nove.. é, nove. Então, três-nove... aham, nove de novo. Três-quatro. Não, não foram 3 noves. Nanão, está certo. É três-nove."

E eu que fui para humanas pensando em fugir das exatas...


Memória Fraca
Ok. Sempre achei essa história de "colinha" meio desnecessária quando se fala em apenas 2 cargos a serem eleitos.

Mas facilita. Ainda mais se você já está na linha dos idosos, ou se você tem uma criança pendurada no seu colo querendo apertar todos os números só para ver todos os candidatos e seus sorrisos amarelos.


"Manhê! Ô pai..."
Desde sempre votava com meus pais. Aproveitava as eleições para ver não só a cara dos mesários (e pensar como eles são velhos, grandes, simpáticos ou chatos), mas também dos candidatos. Ali mesmo: o nome, o número, o voto.

É bom para as crianças. Incentiva, faz com que gere uma alegria de domingo: "Votei. Ajudei nas eleições.". Insulfla o peito: "Agora sou grande!". Aumenta o ego: "Grande! Gente grande faz o que eu fiz!"

Ao serem perguntados se iriam votar muitos se escondiam. Diziam que não. Davam uma risadinha tímida. Mas saíam rindo, felizes da vida. Votei!

Uma menina, inclusive, veio chorando no colo do pai. Não tinha maneira de fazê-la se acalmar.

Devia ser o trauma após ver tantos políticos picaretas serem eleitos. Ela não queria participar daquela sujeira. Queria sair dali.

- Filha, vou votar neste, ok?

-NÃO!!!

Foi a única palavra que disse na sala, em meio às lagrimas. Uma revolucionária.


Nomes
- Pode ir, Lindinha.

Nada de vocativos carinhosos. O negócio ali era sério. Lindinha. Lindo nome, quer dizer, lindinho.

Devia ser um bebezinho lindo. Os pais, bem corujas. Namorados? Criativos. Lindinha já era nome. Docinho? Florzinha? Mas aí virariam as Meninas Superpoderosas. Complicado. Haja imaginação.

Sumária, mulher do Sumário e mãe do Índice. Sim, também estava lá. Só que não com a família.


Coincidências
Lucila entrou. Estava na urna, quando Lucila entrou - deu seu título. Lucila, também. Estava na porta.

-Lucila, pode ir.

Foram as três. Espera! É só a primeira.

- Lucila, a senhora pode esperar na porta.

- Mas não era para eu ir?

- Não, a senhora vai, e a senhora fica.

- Vai ou fica?

E dá-lhe abraços, Lucilas, coincidência, coincidência, coincidência. Votos de Lucilas.

As três resolveram vir no mesmo horário.

As três xarás do caderno.


Rostos e Perfumes
Pessoal perfumado. Mulherada se arrumava. Alguns vinham com cheiro de cigarro. Outras, com perfume francês.

317 pessoas entraram naquela sala. 317 histórias. 317 vidas.

Passaram rapidinho, deixaram o perfume no ar, o barulho do "confirma" nas urnas, e um "bom trabalho".

Alguns eram irônicos. Outros solidários.

A maioria agradecia de coração: antes nós do que eles.

- Espero não me encontrarem, que medo que me dá de me acharem e mandarem que eu fique no lugar de vocês... - disse uma mulher. Arrumadérrima para um domingo de eleições.


Ofegantes
- Nossa, essa rampa cansa demais! Imagina as crianças desse colégio? Devem ter músculos bem definidos e pernas bem torneadas!

Reclamação número 1, era quanto à rampa de entrada.

Elogio número 1:

- Nossa, está vazio!



Trocados
Confirmações trocadas, destacadas em hora errada, votos incertos, eleitores indecisos, pequenas confusões.

Nada muito grave. Era só pensar no Brasilzão que tínhamos um consolo.


Brasilzão
Votou. E você?

Na minha, mais de 80 eleitores não compareceram. E eu assinei no lugar deles. Assinei um "NC" - não compareceu.

Mesmo assim, uma senhora preocupada, perguntou-nos se a mãe dela, já de 90 anos, tinha como trocar o lugar do título para aquele colégio, ao invés de ter que ir até o Ipiranga.

Ter, tinha. Mas só para as próximas eleições.

- Mas ela quer tanto votar...

- Ela pode, mas aqui neste colégio não é possível. Tem que mudar para as próximas.

Espero daqui a 2 anos poder encontrá-la.

*

[Sim, ser mesária é um prato cheio de pessoas diferentes, preocupações iguais e números -única parte parte que é realmente chata!]

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Moinho e Flores


Sua vontade é de agarrar o mundo,
envolvê-lo com suas idéias,
deixá-lo da sua maneira.

Mudar suas cores e sabores,
personalizá-lo.

Mas é ele que a agarra.
Sem o menor cuidado. Insensível.
Machuca.
Engole. Asfixia.

Muda seu jeito e seus gestos,
nocauteia.

Soca desfeitas,
cria hematomas,
sangra as lembranças.

Afoga em suas próprias lágrimas.

E nem tem tempo para conversar com o tempo para dar um tempo...

[Cadê essa primavera para desabrochar uma flor minúscula ou mirrada que seja..?]

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Caminhão de Mudança


"Quer mudar? Ligue para nós!"

Assim dizia o anúncio. Lógico: mil planos, idéias e incertezas começaram a pulular em sua mente.

E se ela ligasse? E se ela realmente mudasse? E se ficasse pior? Não, pior do que já estava não ficaria. Ficaria sim. Ela era tão novinha, cheia de sonhos e criatividade...


E se ficasse melhor? Ah, iria ficar melhor!

Mas e se desse errado? E se parecesse muito artificial, robótico, plástico?! Ué, plástico muda - muda porque é plástico.

Ia ligar. Antes, claro, perguntaria o valor. Quanto vale uma mudança? Aceita-se moedas mutáveis? Deveria... Afinal, a bolsa sempre oscila.

Esperou dar o tempo dos seus pensamentos se reorganizarem e discou o número anotado.

Queria mudar. Há anos queria mudar.

Queria tanto mudar que nesses quereres acabou mudando várias vezes. Justamente, esse tanto de mudanças a deixava constantemente inconstante. E insatisfeita.

Agora ia mudar de vez. Um toque. Dois. Três. Iam atender. Iam atendê-la.


Desligou. Ficou com medo da voz que atenderia. E se perguntassem o que é que ela queria mudar?! Nunca saberia!

Melhor não mudar. Não com um caminhão de mudanças... Era muito pra ela!

Melhor esperar passar uma bicicleta, subir na garupa, deixar o vento mudar - mudar pelo menos seu penteado.

Ou ficar muda - o que não muda nada.

Liga ou não liga?

Liga. E ela lá foi menina de prometer e não cumprir?

- Boa tarde, serviço de mudanças, Gertrudes, quem fala?

- Ahm, é, oi... Eu queria saber, vocês fazem o quê para as mudanças?

- Vamos em domicílio, embalamos tudo, guardamos, encaixotamos, guardamos, colocamos no caminhão, entregamos, arrumamos no novo domicílio e depois os meninos cobram a gorjeta e dormem.

- Dormem na casa?

- Não, no caminhão.

- E quanto custa?

- Depende da distância e da quantidade de coisa.

- Ah, eu sou bem acessível e pequena. Não devem ser muitas coisas. Contam os pensamentos?

- Pensamentos é o quê? De cozinha, sala ou quarto?

- Cabeça.

- Ah... Esses eu não sei. Tem que ver com o superior. Eu posso estar te enviando para ele...

Estar te enviando? Não, ela não falou isso, falou? Quem a Gertrudes pensa que é?! Por acaso aquilo era um serviço de telemarketing? Ah, não. Desligou.

E mudou. Mudou, pelo menos, de planos: nada de caminhões por hoje.

domingo, 28 de setembro de 2008

Elogio ao Banho


Nada contra quem não toma.

Aliás, tudo contra, porque quem não toma banho não sabe aproveitar as coisas boas da vida. Não que não saiba. Pode até saber aproveitar algumas. Mas uma das melhores, não sabe.

Se bem que ela é uma das melhores no meu ranking de coisas boas da vida, e como tudo é relativo e eu não acordei hoje muito totalitária, respeitarei opiniões contrárias e as ouvirei com toda minha paciência.

Ouvirei, mas antes deixo claro dois pontos.

Primeiro, não vale dizer que tem gente que não toma por não ter onde tomar. Chuva existe para quê?!

[Chuva não só existe para alimentar plantas, mas também para alimentar clichês: lava as almas, se junta ao beijo e vira cena de cinema... ]

Segundo, dizer que não toma por preguiça/falta de tempo também não vale. Preguiça de se molhar ou de se secar?

Enfim, quanto aos banhos e não às pessoas, existem vários tipos.

Tá, também existem vários tipos de pessoas, e talvez se não houvesse tantos tipos de pessoas, não teriam tantos tipos de banhos, mas esse não é um texto sobre gente e sim sobre o que gente faz.

Voltando à água e ao sabonete. Banhos. Voltando, mas antes de começar de vez, um aviso: estou escrevendo sem o saber de experts em banhos.

Quer dizer, pensando bem, eu posso afirmar que já tomei muitos nessa minha vida; o que pode elevar meu nível de conhecimento em relação a eles...

Ok, considerem-me uma expert e tudo que eu vou dizer como verdades empíricas. Tudo não, mas a grande maioria, vai (se não banhos já não teriam a graça do novo).

Os tipos. Estes são tão variados como as frutas, as cores ou os sapatos. Existem várias formas diferentes de se tomar banho - o que é uma vantagem enorme para a humanidade que tem a mania de sempre cair na rotina e jogar tudo nesse buraco negro do dia-a-dia.

Em relação à temperatura, por exemplo. Existem banhos frios e banhos quentes. O engraçado é que banhos frios são para dias quentes e banhos quentes para dias frios.

Um paradoxo inigualável, que se completa nessa oposição e resulta numa bela composição temperamental.
O banho frio é capaz de tirar seu suor do corpo. O quente, deixa o suor dele no azulejo. Genial.

Quanto ao tempo. De gato ou demorado. Gato porque gatos se lambem e acham que assim estão de banho tomado. É rápido, prático, mas com certeza, deixa o ar de que faltou alguma coisa.

Este é o problema quando as coisas são muito rápidas: falta algo.

Essa falta, em compensação, acaba sendo totalmente oposta ao exagero do banho demorado. Exagero esse, capaz de demorar tanto que cria rugas.

Sim, banhos demorados deixam dedos enrugados. É a passagem do tempo exposta em apenas um banho. Alguns minutos a mais, você percebe a ação do tempo. Demorou, enrugou.

Continuando com o tempo - mas deixando de lado a questão do tempo do banho - tem o tempo do dia. Banhos podem vir de manhã, tarde, noite ou até madrugada.

Cada um com sua peculiaridade. Acordar, animar, relaxar, ou... Bom, banhos de madrugada devem ter inúmeros motivos, afinal, nem todos passam madrugadas no chuveiro - não é muito comum, já que a maioria das pessoas passa as madrugadas na cama.

Falando em maioria, existe a questão da roupa.

Sei lá, o normal é ela não participar desse evento diário, mas alguns não conseguem se desfazer dela a tempo.

O exemplo mais óbvio e simples é o da piscina: só cair e pronto. Pronto nada, deixar a blusa branca ficar transparente, colar no corpo ou encher de ar - como um balão – e o baita frio depois, completam o quadro. Aí, pronto.

Nessa entram os lugares. Nem todo banho é tomado debaixo do chuveiro. Pode ser dentro da banheira. E aí vêm companheiros. Calma... Podem ser sais aromáticos, espuma, hidromassagem, etc. Verdadeiros companheiros. Ou não.

Também tem o dentro do mar. Este, aliás, é um problema.

Ok. Super divertido, a parte mais legal da praia além do sol (porque areia serve só pra se construir castelos, grudar nos corpos, enterrar os pés, fazer pessoas à milanesa e abrigar carangueijos). O ruim do mar é que ele é muito, mas muito, ciumento.


Só quer você para ele e ele para você.

Depois de entrar, é certeza que vai puxar o seu ser com força ou vai levá-lo para onde sua maré for. Depois de sair, vai deixar sua pele grudenta, seu cabelo, então, nem se fala. Vai marcar presença até na sua boca - dá-lhe o gosto de sal!

Além disso, o mar é tão ciumento quanto possessivo. Como se não bastasse ser habitado por uma galera absurda (galera possessiva também, porque se tiver tubarão, vai querer devorar você), não deixa você não se viciar nele.

Oferece inúmeras atividades - pegar jacaré, surfar, boiar; está aberto para todos, sempre. Chama você de manhã, canta suas ondas à tarde, junta-se às estrelas durante as noites.

Tão possessivo que pega até o Sol e a Lua para ele: pega, e copia. Joga-os nas suas águas, entorta-os.

Apesar deste tipo de banho fazer o possível para agradar a todos, o banho em banheiro não agrada as crianças, por exemplo.

Elas não gostam. Hora do banho é pesadelo. Querem é brincar com os amigos. Certas elas, errados os pais – grandes hipócritas. A partir do momento em que se ensina que banho é uma atividade individual, exclusiva, e restrita somente a ela, perde a graça.

Onde já se viu se isolar de todos só para se melecar com o sabonete e escorregar no chão molhado? Largar a brincadeira para brincar sozinho – criar um mundo de vergonhas. Um mundo chato, uma hora chata. Chata, mas cheirosa.

Foi quando, para se evitar o tédio, inventaram o patinho de borracha. Alguém precisava acompanhar as crianças nesse momento de obrigação e tranformá-lo em algo lúdico.

Não que eu tenha visto muitos patos de borracha por aí. Aliás, tenho a teoria de que eles sejam apenas algo do imaginário coletivo. Algo presente em filmes, apenas. Como um clichê.

Assim como o tal do beijo na chuva: uma raridade. Infelizmente, é só começarem a sentir umas gotinhas caindo do céu, ou umas nuvens pretas o cobrindo, que a maioria das pessoas se encolhem, amontoam-se sob toldos e lajes. Saem correndo, mas não para os braços de alguém para que os beije.

O banho também não precisa ser só de água (a chuva, por exemplo, já virou de canivetes, de dinheiro, de bombas, de balas, de cartas em programas de auditório...).

Pode ser de bebida. Esse gruda tipo o do mar, mas denuncia as atividades etílicas. E deixa a roupa fedida para que todos saibam onde você esteve.

Pode ser de lojas. Amado, adorado, idolatrado –salve, salve-, pelas madames. E um saco para homens ou pessoas impacientes.

Não importa qual tipo, qual tempo, qual ingrediente, qual componente, qual humor, qual companhia.

Banho, é sim, bom. Para parar, pensar, se entregar. Chorar sem ser questionado. Cantar. Cantar para as paredes. Errar a letra. Gritar. Ou até para mandar alguém tomá-lo quando estiver irritando você.

Melhor do que mandar catar coquinho ou plantar bananeira é dizer: “Vai tomar banho!”.

Ou pedir: venha...

sábado, 27 de setembro de 2008

Gasolina de Bar


- Bom dia!

- Bom dia. - respostas automáticas como sempre. Sabia que renderiam aquelas velhas discussões de elevadores ou drive-thrus, mas nem para isso tinha saco.

Se o dia seria bom ou não, ela só saberia depois de deitada em sua cama após ele ter terminado. Estranho saber se uma coisa é boa somente após ela ter acabado...

- Álcool ou gasolina?

- Álcool.

- A senhora quer álcool?

Realmente, naquela hora da manhã, uma moça como ela pedindo por álcool poderia significar apenas três coisas. Um alcoolismo desenfreado, muitas mágoas para serem afogadas ou algo importantíssimo para se comemorar.

Virou o copo, fez uma careta inerente aos goles e saiu feliz. Revigorada.

Não sabia o motivo da bebedeira, mas agora sim. Estava disposta a começar o bom dia.

Consoantes Díspares


- Você é tão parecida a mim. Por isso que nós brigamos tanto.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Díspares Consoantes


Nunca pensara em se declarar, mas naquela tarde de outono, com folhas pelo chão e frio nas mãos, mudou de idéia.

Movida, talvez, pelo tédio (saiba que esse é o grande responsável por muitas mortes e nascimentos) e pela vontade inquietante de mudar os rumos de sua vida (outra coisa causadora de mortes e nascimentos), sem pausas ou grandes devaneios, disse:

- Faz tempo que eu não tenho um desses vícios arrebatadores, capazes de me corroer por dentro e me matar aos poucos - assim, pouco a pouco. Docemente.

- Cigarros?

- Não... Paixões.

E foi com o silêncio recebido como resposta, que, finalmente, ela percebeu. Os homens, de fato, não entendem indiretas.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ideação


Se eu fosse uma idéia, seria uma daquelas bem loucas - chegaria até a ser revolucionária. Não seria rotulável, inclusive, de tão inovadora seria inclassificável (nem aquele que deu nome às cores e inventou o "fúcsia", "coral", "azul celeste", "bordô", "púrpura", ou outras, consegueria me dar um nome).

Mudaria o mundo, como a bomba atômica. A única diferença é que não traria medo, ódio, mortes ou feridos. Quer dizer, poderiam até chegar a morrer de amor, ou de felicidade e os ferimentos deveriam sim acontecer - só para se ter o gostinho da dor às vezes e o salgado das lágrimas - mas logo se transformariam em aprendizados e seriam curados.

Bombardearia com estrelas os céus escuros e sem luz. De vaga-lumes, as noites sem luar.

Se fosse uma idéia de extermínio, seria das cáries - porque doce é bom. Se bem que escovar os dentes também. Então seria uma idéia de exterminar a preguiça ou as pastas de dente no final.

Ah, seria uma idéia tipo a de amizade. Ou, a idéia de uma máquina de juntar gente que se gosta na hora que quisesse com muita cerveja gelada em dia quente e suco de melancia para quem dispensa coisas gasosas.

Poderia ser uma idéia de máquina que transformasse os grãos doces do açúcar em fios capazes de se desmanchar na boca. Capazes de trazer nuvens para as mãos das crianças... Se bem que essa daí já existe - é a máquina de algodão doce. Deixa eu pensar em outra.

De máquina de falta de vergonha, falta de medo do ridículo, que conseguisse inibir o julgamento dos outros; a timidez, o acanhamento, o recato. Uma cuspidora de verdade, de reparação de besteiras.

Ou não, uma de karaokê no chuveiro. É, essa seria útil para quem não consegue decorar letras e canta tudo errado no lugar com melhor acústica da casa.

Espera. Tem que ser uma idéia forte. É, forte. Ninguém a derrubaria. Devastadora. Avassaladora. Uma idéia efêmera mas eterna. Ácida mas básica. Doce e salgada. Preta e branca. Idéia de macumba e carnaval. Heavy metal e sapatilha. Teto e chão. Mão e pé.

Idéia que desse comida e roupa lavada para todos. Que acalentasse o pranto desesperado como um beijo inesperado. Idéia de mudar o mundo e mudar a própria idéia. Isso, seria uma idéia-camaleão. Mutável - este negócio de ser sempre o mesmo não está com nada.

Seria, aliás, uma idéia moderna, só que também rabugenta. Com gosto de chocolate, noite bem dormida, manhã com brisa solta. Uma idéia com pôr-do-sol, maresia e pernilongo na cidade.

Uma que fosse como banho quente após dia frio e cansativo. Ou ainda, uma que entrasse como água no corpo de todos e de todos assim fosse formada.

Uma idéia de carbono: grafite e diamante. Sem restrições - chegaria nela, neles, sem medo. Como o galã tirando a mocinha para dançar em comédias românticas.

Como início de namoro, apaixonante. Como tatuagem, para sempre. Como vela quando falta luz, confortadora. Como flor-de-lótus. Uma idéia de felicidade, transformadora neste mundo sujo.

Ah, quer saber? Seria melhor se eu fosse apenas uma idéia de ter a idéia de sair daqui e fazê-la acontecer.

domingo, 14 de setembro de 2008

Whisky e Saltos


Convidados para uma mesa com Vinícius e Tom, o domingo não pôde passar em branco. Com as ironias, boas sacadas e poesia dos dois personagens que embalaram o Brasil e o mundo com sua bossa nova (mas que para eles continuava sendo samba), fomos levados a uma viagem no tempo.

De volta às saias e aos vestidos rodados, aos cabelos curtinhos, aos maiôs grandalhões e com muita música, a peça "Tom&Vinícius" deixa um sorriso estampado no rosto até nos momentos mais tristes e uma vontade de cantar continuamente.

“Tudo Azul”, “Plaza”... Estes são apenas alguns dos bares a que somos chamados. Copos de whisky, diálogos inteligentes e, principalmente, seres humanos. Capaz de mostrar o lado pessoal da relação entre os dois (e da relação deles com o mundo), a peça tem em excesso a dose humana - uma overdose de gente em seu estado genuíno, destiladíssimo.

Pequenas discussões, grandes amores, ciúmes, paixões, bobagens, planos... Tudo isso, para mostrar o quão passional era a época em que o ritmo da vida era muito mais lento (ainda que Tom reclamasse da rapidez com que passavam alguns carros nas ruas, impedindo as crianças de brincar tranqüilamente - agora, por outro lado, os carros não correm: travam em congestionamentos...).

Whisky e boas músicas não podiam faltar. É em companhia do cachorro engarrafado e discutindo sobre mulheres ácidas ou básicas que Vinícius e Tom compõem músicas e se perguntam sobre o futuro (apenas como estarão as mesmas músicas daqui 50 anos - 100 seria muito tempo... para essa pergunta, eu respondo: excessivemente comemorando-se sua chegada à meia-idade).

Cansado de mesas de bar? Não se preocupe. Também fomos levados à fria Paris (onde Vinícius termina com Lila e começa com Lucinha), aos Estados Unidos (para que Tom cante com Sinatra) e ao belo pôr-do-sol de Ipanema. Tudo com um ritmo apaixonante - com trocadilhos à parte - tanto na peça, quanto nas músicas.

As músicas? Começam com aquelas tocadas em "Orfeu da Conceição" - ponto inicial da parceria. Passa por "Samba de Uma Nota Só" (apresentado nos States), "Tristeza", "Desafinado", "Garota de Ipanema", "Água de Beber", entre outras. É claro, não podia faltar a clássica da bossa: "Chega de Saudades" *.

Mais do que uma peça, "Tom&Vinícius" é o retrato de uma amizade inigualável. Um retrato de um amor por música, arte e poesia. Uma bela mostra de vitalidade nos acordes da música brasileira. Um musical que apenas atesta a frase de Tom Jobim: "Eu vou morrer um dia, a música vai ficar..." .

* Falando em "Chega de Saudades", assisti ao filme de Laís Bodanzky de mesmo nome. E deu vontade de tirar os saltos do armário para rodar por um salão de baile.

Além das músicas, os 95 minutos expõem vidas e conflitos inerentes às paixões humanas mostrados entre rodopios, copos e bilhetes em guardanapos.

Histórias entrelaçadas como os corpos no meio do salão, fazendo a trama girar entre casais, amigos, ou apenas freqüentadores do ritual que aviva memórias e sentimentos daqueles que parecem já ter vivido o suficiente - mas que se recusam a ficar parados esperando a morte chegar.

Triângulo amoroso (ou seriam "quadrado"?), jovens interferindo na rotina do casal (Marici vê seu par Eudes derreter-se na companhia da moça Bel, que por sua vez, apenas foi ao baile para acompanhar seu namorado Marquinhos - DJ do local - mas acaba aprendendo muito mais do que simples passos de bolero), amores reencontrados (Álvaro e Alice, ambos viúvos, enfrentam as limitações e superam barreiras da idade) e ciúmes entre amigas (Nice, trazida ao baile por Elza, acaba encontrando um par enquanto esta limita-se à solidão) recheiam a história.

Como se não bastassem, ainda rodopiam pelo salão discussões sobre o amor, problemas técnicos (como a falta de energia elétrica) e berros da Elza Soares não deixando o samba morrer.

Mais uma vez, ritmos embalam a obra e confirmam ainda mais a vontade de viver – a mesma já embalada por Vinícius e Tom.