quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Encontro

Anos desde aquela noite fria de crise. E ponha crise naquilo. Copos na parede, cacos de vidro no chão.

Fora a bebida, alguns disseram. Culparam as garrafas vazias pela separação. Os dois não tinham juízo. Impacientes, impulsivos. A vida corria como os carros na rua movimentada onde moravam. Chegou o tempo em que nem mesmo haviam tempo um para o outro.

Buscavam a independência. Mudaram-se para aquele apartamento bagunçado, cheia de papéis e embalagens vazias. Os dois. Sozinhos. Se bastariam. Ou não.

Precisavam de um espaço. Cada um o seu. Privacidade. Na geladeira, uma prateleira era de um; outra, era de outro. A cama, dividida pelos travesseiros.

Sentiam-se sufocados. Se um arrumava o banheiro, o outro logo reclamava não poder encontrar o creme de barbear. O creme hidratante, o rímel. Separaram-se.

Foi quando, em uma mesma noite fria, e em um mesmo bar - que nenhum dos dois antes freqüentavam -, os olhares se encontraram. Anos haviam se passado.

Se viram. Se olharam. Se enxergaram.

Finalmente, se encontraram. Ele já não tinha o jeito de garoto. Ela, era uma mulher. Conversaram, conversaram, conversaram.

A noite passara tão depressa, que nem perceberam serem os últimos a sair do bar.

Atreveram-se a voltar ao antigo apartamento. Não podiam deixar a aventura escapar como haviam deixado anos atrás. Agora, não. Sabiam como se comportar. Eram adultos.

O apartamento estava vazio. Empoeirado. Restava uma ou outra lembrança. Um caco em um canto.

Não precisavam de palavras. Aquelas mesmas, que deixaram escapar, quando precipitados viam seu futuro em conjunto, já não eram necessárias.

Sabiam o que o outro pensava. Sabiam saber isso antes mesmo de perceberem o quanto eram parecidos e diferentes.

Sabiam que tudo que economizaram ao evitar trocar bobagens para amenizar a rotina, agora poderia ser desperdiçado.

Agora sim. Sabiam o sempre que jogaram fora naqueles anos de separação. Encontraram-se, naquela noite eterna. Finalmente, novamente.

4 comentários:

Du Graziani disse...

É Alice, o que falta nas pessoas é a educação do olhar. Saber fazer dele um aliado das nossas vivências e vicissitudes. Eduardo Galeano tem uma crônica incrível sobre a educação do olhar, um dia eu te mostro.
Outrossim, mostra como voce se antecipa e faz uma dissertação incrível sobre a cegueira relativa.

Beijao

Maria Joana disse...

seu blog é cheio de separações e encontros.. triste de se pensar, delícia de se ler

Ana Paula Saltão disse...

tudo na vida se encontra, se perde, se reencontra...

às vezes eu fico pensando se a gente não separa só pelo prazer de voltar...

Felipe Lobo disse...

Encontros e desencontros. As separações são sempre terríveis. Mesmo pacíficas, podem ser dolorosas.
Vc é ótima, Alice!