segunda-feira, 30 de maio de 2011

Polvorosa

O metrô estava lotado. Lotado de apenas duas cores: azul e vermelho. Espremidos, os torcedores não viam a hora de chegar à estação onde uma grande tela os esperava : Arc de Triomf. O nome do local não poderia ser mais condizente com a certeza que tinham sobre o jogo: eles triunfariam.

- Barça! Barça! Barça! - Tumulto em uma das portas do vagão. Em alguns segundos, entraram, gritaram e saíram. Mais um furto. Era a segunda vez em um dia que presenciava aquilo. Da outra vez, largaram a carteira vazia da vítima – um homem mais velho, com rosto vermelho de sol e chapéu na cabeça – no chão. Se não fosse um rapaz a devolvê-la, o turista estereotipado nem teria reparado.

Alguns metros acima, pessoas estavam aflitas com o que seria da suposta comemoração do time, horas depois. Sexta-feira já não tinha sido um dia fácil. Acordaram com policiais tentando desalojá-los com uma suposta “limpeza” da praça onde estavam acampados há dias. “É para tirar objetos perigosos para que não haja nenhum problema amanhã, quando o formos campeões”, diziam os homens munidos de cassetetes.

Uma limpeza regada a balas de borracha e violência. 120 feridos e a desordem trazida por aqueles que, teoricamente, buscavam a ordem. Se antes estavam todos organizados, separados em Comissões, com comida, remédios, computadores e tudo o que fosse necessário; agora o que se via era uma bagunça. Mas bastou que a polícia se retirasse para que ela fosse superada pela organização daquele pessoal que há dias estava acampado no coração de Barcelona.

Milhares de pessoas já estavam guardando seu lugar para assistir ao espetáculo futebolístico. Voltadas para o dito arco, conversavam, gritavam e bebiam. Sangria para cá, sangria para lá – mas sempre em garrafas de plástico (porque é proibido beber na rua com vidro).

Enquanto isso, em quantidade menor, mas em importância maior, centenas de pessoas discutiam sobre o espetáculo que havia se tornado a democracia. Em rodas, conversavam, cantavam, procuravam soluções para esse mundo que está cada vez mais de cabeça para baixo. Ok, também rolava uma cervejinha aqui e uma cervejinha ali. Os “paquis”, vendedores ambulantes, rondavam o local aproveitando a concentração para conseguirem mais um trocado.

De repente, alguém puxava um dos gritos do time. Todos seguiam. Uma câmera pairava sobre a multidão, movendo-se de um lado ao outro. Era impressionante como todos se exaltavam ao serem vistos por ela. O jogo começou.

15 minutos depois, todos continuavam aflitos. Já na Praça Catalunya, pontualmente às 21h, começava mais um panelaço. Pessoas tiravam suas panelas, caixas de metal, tuppewares, chaves ou o que quer que fosse para protestar. Palmas. Quem não tinha colher e frigideira usava as mãos – e só – para fazer barulho. Adiantava.

Gol. Chuva de vinho/cerveja/coisas não identificadas, palmas, vuvuzelas, buzinas. Cabelos e roupas encharcadas. Gol do Manchester. Silêncio. Gol. Gol. Vitória. Agora era a hora. A multidão preparava-se para ir em direção à Praça Catalunya, para comemorar na tradicional Fonte das Canaletas, que se encontra ali perto. Loucura. Desorganização.

Um bando eufórico, com bandeiras e hinos, se dirigia ao local. Expectativa. No dia anterior, após a fatídica manhã, alguém propôs em uma das assembléias para que o acampamento fosse deslocado à Plaça Sant Jaume, onde se encontram a Generalitat e o Ayuntamento, evitando assim os conflitos que trariam os torcedores. “Se continuarmos aqui, a polícia usará como desculpa o tumulto provocado por eles e tentará nos tirar daqui outra vez!”. A proposta foi bem-vinda, mas não executada. Eles resistiam ali. E esperavam o que seria.

Um helicóptero insistia em observar toda a movimentação. Mais uma vez, explosões. Agora, no entanto, não vinham dos tiros dos policiais. Vinham dos torcedores. A polícia estava presente. Enquanto fanáticos gritavam, bebiam, soltavam fogos; acampados faziam um cordão humano em volta da praça. “No violencia”, era o pedido geral que se lia em folhas sulfites seguradas por todos. Estavam sérios.

“Não vão entrar para dentro da praça, não tem como nos tirarem”, insistia em dizer uma menina, que estava sentada bem no centro da "acampada". A quantidade de pessoas apoiando o movimento parecia até maior. Os que não estavam ao redor da Plaça com seus cartazes, estavam sentados, conversando calmamente. Alguns dormiam – mesmo com os constantes ruídos das explosões. O cansaço era presente, assim como a certeza de que a luta tinha que continuar.

Mais de 130 feridos. Dessa vez, não eram os manifestantes: mas os próprios torcedores. Essa foi a quantidade de pessoas envolvidas em acidentes durante a comemoração da vitória da Champions League. O acampamento? Continuava ali. Firme e forte. Sem feridos. Resistindo.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Velha no metrô

Abriu a revista sobre viagens. Estava amassada, provavelmente a levava em todos os lugares - se é que fosse para muitos. Na capa, uma foto de Praga.

Suas mãos trêmulas e cheias de manchas passavam página por página, com uma estranha voracidade. Seus olhos mareados e cheios de rugas denunciavam a tristeza das viagens que nunca fez.

Devia ter mais de 80 anos.