domingo, 28 de junho de 2009

Nuvens

De repente, tirara os olhos do livro e virara-se para o céu. Percebeu como, de uma hora para a outra, milhares de nuvens encobriam o azul e, como algodões, dançavam no infinito.

Cobriam de uma mesma cor, mas corriam em direções diferentes - via uma a se engrandecer enquanto outra passava como seus olhos faziam nas páginas amareladas.

Eram tantas que mal podia diferenciar suas formas. Aliás, essa era uma brincadeira rotineira de sua infância. Quantas não foram as horas em que ela se perdera olhando para o céu, imaginando coelhos, gatos, prédios, pessoas, barcos, frutas... Isso quando não, apenas, deitava-se nos bancos do andar térreo do prédio de sua avó e, de baixo, admirava-se com o tamanhão do prédio que parecia se movimentar em contraste com o céu.

O vento também a distraíra: uma porta batendo ao fundo, o farfalhar das folhas, o sopro em seu ouvido.

Como crianças, as nuvens brincavam empurradas pelo vento em seus balanços invisíveis. O sol tudo observava, às vezes escondido atrás delas, deixando-a gelada na sombra; outras vezes, a queimar sua pele, beijar-lhe o rosto.

Na sua frente, uma fileira de pequenas árvores dançavam completando a cena dirigida pela natureza. Eram pinhos-bravo. Mas pareciam tão delicados...

Além do som do vento, a soprar em seu ouvdo, podia ouvir o cacarejar, abafado pela distância, de uma galinha. Onde estaria o animal? Seria só a distância que abafaria seu som ou também o tempo? Ouvira uma vez que galinhas poderiam muito bem ser parentes de dinossauros... E se, perdidos em meio aos morros, longínquos, também não haveria alguns deles, vivendo num tempo inalcansável, dada a distância inatingível...

Eram esses os morros que a encaravam: cobertos por um manto verde, repleto de bolinhas - na verdade eram árvores, ela sabia, mas preferia enxergá-las assim como as via: eram bolinhas, apenas feitas para formar uma textura sobre a terra em curvas que recortavam o horizonte. Morros infinitos, assim como o céu, descansando acima deles.

Quase sólida, uma enorme nuvem fez de sua vista mais escura. Passava, sem pedir licença, sobre sua cabeça. Quem seria ela embaixo daquela imensidão?! Sentiu um pequeno pingo pousar em sua pele. Quanto não teria viajado, daquela nuvem até ela, apenas para descansar em sua pele?

Esfriou. O vento gelado já não sussurrava canções incompreensíveis - pedia para que ela se retirasse. Já estava há muito tempo os observando.

Colocou seus chinelos, puxou a cadeira e seu livro e entrou. Deitou-se no sofá decidida que voltaria a ler... Até perceber uma lagartixa verde-musgo rondando uma mosca parada. O teto, apesar de não tão infinito quanto o céu, também continha aquela que, naquela manhã, não a deixava ler. Desistiu. Permaneceu parada, observando.

Campos do Jordão, 28 de junho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Marrom-Vermelho

O céu estava vermelho como sempre. Foi-se o tempo em que os céus eram azuis ou cinzas. Aliás, aquela geração de crianças que agora comandava o pedaço de país a que estavam destinadas nunca haviam conhecido a cor azul.

Tomavam uma bebida gasosa, marrom, e se deliciavam após os arrotos. Os adultos apenas existiam para serem máquinas e os velhinhos eram todos jogados em casas com plantas murchas onde eram esquecidos.

Era um tempo difícil, muito difícil. A comida não era escassa, mas nada nutritiva. Sendo assim, crianças morriam desnutridas - as mesmas que sugavam pelas manhãs o líquido marrom-gasoso.

Em certos lugares de latas enferrujadas, um certo tipo de adulto tentava rabiscar algo em pedaços verdes das paredes. O lixo, também enferrujado e ao lado dos retângulos esverdeados, servia de alvo para as plaquinhas de metais atiradas pelas crianças.

Não tinha papel, e aliás, as palavras só chegavam aos interessados por meio de uma tela quadrada - que ficava preta ao apertar um botão - e que estava conectada a vários botões de letrinhas.

Cada vez que se apertavam os botões de letrinhas as mesmas iam aparecendo nas telas. Quem fazia isso eram outros tipos de adultos, que passavam o dia sentados nas cadeiras escutando um aparelho que falava as coisas que estavam acontecendo pelo mundo.

O mundo, com céu vermelho, também não tinha árvore. Animais tinha sim... Umas baratinhas que eram adestradas para divertirem as crianças em seus dias de stress. Inclusive, os adestradores de baratas eram pessoas perigosas, que se quisessem, poderiam formar um exército delas para atacar aqueles que passassem o dia em frente às telas.

Além dos adestradores de baratas, existiam outro tipos de pessoas perigosas. Eram os adestradores de balas. Não as docinhas não, as de chumbo, mesmo. Eles usavam um cano com um gatilho que ao ser apertado deixava o corpo das pessoas vermelho. Que nem o céu. O céu era vermelho.

Também tinha um outro tipo de adulto que passava todas as horas correndo. Corria do tempo, da polícia, dos quilos a mais. Corria tanto que seu rosto era deformado pelo vento contrário a sua direção. De tanta deformação, o adulto-corredor tinha que se submeter às plásticas - e então, encontrava-se com a adulta-plástica e tinham filhinhos.

Os meninos não bebiam leite materno. Bebiam líquido marrom-gasoso, desde sempre. Recebiam, quando iam para o latão enferrujado, latinhas de líquido marrom-gasoso. Alguns de tanto líquido-gasoso se tornavam bolhas de gás e saíam voando.

Voavam pelo céu vermelho.

terça-feira, 2 de junho de 2009

B-u-n-d-a.

Esse país é uma bunda. Bonita, redonda, carnavalesca. Diz que aceita as diferenças. Diz que merece respeito. Diz que tem o melhor futebol, o melhor carnaval, o melhor biocombustível do mundo e a melhor população. O povo mais hospitaleiro, mais generoso. As brasileiras são as mais lindas. Nossos bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio mais amores.

Temos uma democracia, o melhor sistema eleitoral. Temos urnas que funcionam, modernas, bonitas, que funcionam! Temos políticos que não se lixam para a opinião pública. Temos políticos que se lixam, mas quem se importa?! Quem se importa para a opinião pública?! Quem tem uma opinião pública? Quem concorda com a opinião do público? O público tem uma opinião?

O público tem alegria! Tem alegria e leite em pó para a criança, que se derrete na escola de latão - que se aventura por rios caudalosos para chegar ao barraco chamado "escola". Escola é aqui, é ali, o país é uma escola! Somos todos alunos, atentos mas que celebram quando o professor falta: aula livre. Liberdade!

Liberdade de se expressar - mas cuidado com o que vai falar. Liberdade de achar e desachar - mas cuidado com o que encontrar. Aliás, melhor não procurar. Espere que alguém procure por você. Com certeza algum otário perderá seu tempo procurando, aí você só joga um charme e já era - achou sem nem procurar. Malandrão.

É o pato? Nada. Pato é quem paga. O pato. Nós pagamos, mas nem vem cobrar juros que aí o que você terá é calote. Assim mesmo. Ah, não vai acontecer nada mesmo... Mesmice.

Mudam-se os tempos, mudam-se as pessoas. Mudam nada. Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais. Não, não diga isso! Temos que contradizê-los, rebelarmos, fazer valer a força da juventude, essa garra, energia que transbordamos. Vamos mudar, mudaremos. Assim como tá não dá. Dá? Deu. Deu-deu, não, vai dando. Sempre com jeitinho.

Mas faz o seguinte: a gente finge que não tá satisfeito e reclama, tá? Aí a gente reclama de tudo. Do vaso, da vida, da vizinha, do vidro. Da sopa, da sola, do soco na boca. Do amigo, inimigo, arquinimigo. Afinal, quem é amigo mesmo? É mesmo? Então prova. Prova que nesse mundo só acredito vendo.

Já vi coisas de menos, quero ver coisas demais então comece provando sua tese para que eu depois reprove, questione, não entenda e continue achando que não foi provado. Não vou ouvir o que você disse, porque sei que estou certo.

Certo dia tudo pareceu certo. Foi horrível. As coisas não têm que estar certas. As coisas tem que estar errada. A criança tá morrendo de fome na África! E do lado de casa?! Também! Você viu? Não!

Não quero lhe falar das coisas que aprendi nos discos. De nada valem. O que vale é que estamos aqui, firmes e fortes na parada. Para o que der e vier. Reclamando para não perder o costume. Fazendo alguma coisa? Reclamando, oras. Reclamar não basta?

Esse país é uma bunda mesmo.