segunda-feira, 15 de novembro de 2010

O Cigarro de Celina

Desde um canto, Celina observava os passantes. Sentada, com as pernas cruzadas e seus pés entrelaçados, ela admirava calmamente todos aqueles que corriam de um lado para o outro sem percebê-la, e os encarava com seus olhos castanhos.

Minto, acho que ela não os olhava. E com certeza a perceberiam ali, parada, sozinha. Era tão linda... Aliás, naquele instante, provavelmente ela própria se admirava. Sim, seu olhar era profundo. Ouso dizer que se voltava para dentro de sua alma.

Parecia perdida em meio a um dia qualquer - que, por sua vez, se perdia entre tantos outros no calendário. Ela me fazia desejá-la.

Em sua imersão, sentia-me incendiado e dominado pela sensação de possuí-la. Pobre de mim. Ainda mais dela, Celina.

Nunca ouvira sequer uma palavra vinda de seus lábios. Deles saía apenas a fumaça proveniente de tragadas lentas, quase seculares, de um cigarro. Sua boca o beijava lentamente e cada vez que o tocava, mais o consumia.

Como eu queria ser aquele cigarro. Mesmo sabendo que, em questão de minutos, ela terminaria comigo. Não me importava. Precisava me aproximar daquela mulher de qualquer forma, sem contar que eu sabia que se estivesse próximo àquela boca, os segundos seriam eternos.

Ah, como eu queria ser aquele cigarro. Ainda que, depois, isso me transformasse em cinzas... Quem sabe assim, pudesse pelo menos sentir a respiração de Celina. Pudesse garantir a ela o prazer. Mesmo sendo ele vindo de uma tragada que culminaria em minha morte.

O cigarro diminuía em suas mãos. Olhou para os lados. Seus olhos, por um instante, se pousaram nos meus.

Olhou para o cigarro, pensou que precisava parar. Tinha que largar o vício. Não conseguia. Era assim. Sabia que desde seu primeiro, muitos outros viriam. Estava fadada a eles. Totalmente dependente.


Pisou-o com seu salto alto. Agora, não havia mais brasa.

Viriam outros, pensei. E com algum deles, quem sabe, eu.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Glimmering, Glistening, banishing the darkest night

-Você conhece bem a banda?

Foi o que me perguntaram. Eu, com essa mania de jornalista-sabe-tudo, óbvio que respondi: "Ah, sim!".

Pois é. Saí do show com a ligeira sensação de que precisava ter respondido "Talvez". Mas isso não fez com que eu passasse o tempo todo pensando "que podre, mais uma música que eu não conheço". Muito pelo contrário. Por quê? Porque elas são envolventes. Essa é a palavra. Ou melhor, algumas são até soothing. Não tem como reclamar.

Belle and Sebastian é capaz de nos abraçar. E esse abraço pode ser um daqueles de quando você está muito feliz, tipo o de quando vê alguém que você gosta muito. Mas pode ser também aquele abraço que te aconchega na fossa. E todos esses abraços são encontrados em uma música só - ou em várias, espalhados. Na verdade, é como se um monte de sensações se juntassem em uma melodia (ou em um show) para que, no fim, você saia se sentindo simplesmente... Bem.

Bom, o Via Funchal ficou repleto de meninas cujo traje vestido + meia calça + sapatilha era quase obrigatório. Tá, eu também estava vestida assim, mas foi sem querer, juro. Para os meninos, obviamente, camisa xadrez ou listrada. Apesar das 5 mil pessoas que a assessoria de lá afirmou, não achei que estava cheio. De jeito nenhum. Parecia até que estávamos todos... Sei lá, em casa. Bem acomodados.

Tanto é assim que o próprio Stuart Murdoch, vocalista, saía perambulando pelo local - ele não só desceu à pista premium como conseguiu chegar a nós, os mortais da pista comum (que empobreceram com o preço do ingresso, aliás). Ou então, ele chamava alguns fãs para subir ao palco. À propósito, um deles deu um show - dentro do show - com sua dança.

A banda e o público se aproximaram em diversas ocasiões. E algumas delas foram bem clichês, como na tentativa de puxar o coro da platéia em I'm not living (medo: eu estou ouvindo o set list do show e quando comecei esse parágrafo ESSA MÚSICA COMEÇOU A TOCAR) ou quando eles jogaram coisas para os fãs. (No caso, eram bolinhas de futebol americano autografadas, afinal, baquetas é uma coisa tãaao last season...).

Pensando bem... Acho que posso dizer que conheço, sim, a banda. Pelo menos agora eu até sinto como se fôssemos velhos conhecidos... Mas que, incrivelmente, conseguem se supreender a cada dia. Sabe?

[Deixo vocês com a música que fiquei esperando até o último minuto e... É, não tocou. (Quem sabe daqui a 10 anos)]

sábado, 9 de outubro de 2010

Cores

- Mas que menina mais linda! Qual é sua cor favorita?

- Lilás. E cinza.

[E você pensou que eu ia dizer "rosa"...]

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Palavras-Chave

Que legal.

Estava fuçando as estatísticas do meu blog e concluí que vocês, meus leitores (se não for uma única pessoa), são meio doidos.

É sério. Dá uma olhada. Alguns chegaram procurando por:


- carta secreta com limao
- cheio de abella pe de uva
- como fazer a receita do simacol no mc
- como enfeitar teto com bexigas
- como mim firmar se ainda n. tenho casa
- como se escreve como eu queria estar do seu lado em france

Bom, a carta secreta com limão, elas acharam aqui. Isso de cheio de abelha com pé de uva eu não sei. Odeio abelhas.

Já como fazer a receita do simancol no Mc Donald´s provavelmente também foi uma busca frustrada - simancol está em falta em vários lugares, quanto mais no Mc. Serve a receita do nº 1? Essa eu sei: dois hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e um pão com gergelim.


Para enfeitar o teto com bexigas você precisa de fôlego e altura. Só isso é suficiente. E bexigas, claro. Ah, e saber dar nó nelas. Sou mó boa nisso, se precisar de ajuda me chama (e não se esqueça de me convidar pra festa!).

Como se firmar se ainda não tem casa? Hm... Difícil essa. Ache alguém que tenha. Ou um abrigo, ou... Cara, você terá um dia.

E a última foi de partir meu coração. É a mais linda e romântica. E se você ainda quiser, pode vir (mesmo sem falar francês).

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Elementos

- Andréia!

Me chamaram. Vi os dois deitados na grama, brincando com a cachorra. Ou melhor, estavam os três deitados no chão: eles e a cachorra. Felizes. Deitei no verde. Terra. Estendi minha mão. Acariciei o pelo macio, bege, lindo. Brilhante, ela brilhava de alegria. Ofegante. Eles não falavam nada.


Encostei minha cabeça nas costas de Pedro. Olhei para o céu. Estava estupidamente azul. Isso mesmo que pensei. "Estupidamente azul". Estava quente. E não gelado, como o estupidamente faz lembrar. Estupidamente gelada.

Calma. Senti uma tranquilidade imensa invadir meu corpo. Minha cabeça, meu peito, minhas pernas, eram tudo calmaria. Todos meus membros estavam feitos de ar. Minha mente flutuava.

Ao longe, bem ao fim do céu - se é que isso pode ser dito - uma nuvem branca surgia, grande, vindo em minha direção. Vindo em nossas direções. A cachorra percebeu, sentou-se, ficou olhando.

- Parece um porquinho-da-índia. Aquele que ganhei quando tinha seis anos, que só queria estar debaixo do fogão.

- Parece minha primeira namorada.

- Pensei ser eu sua primeira namorada, Alexandre.

- Não, Déia, você é a minha primeira namorada. Ele já teve várias.

- Agora está parecendo um coelho.

- Pra mim é uma águia.

- Uma lagosta!


- Nuvens só se parecem com animais?


Beijei-os.

Senti um pingo em minha testa. A cachorra levantou-se, saiu, deixou-nos sozinhos. Deve ter pensado que estava sobrando. Estava mesmo. Sem contar que para ela, uma nuvem deveria ser apenas uma nuvem.

Choveu. Choveu como nunca chovera. Agora eu era água. Encharcada. Do cabelo aos pés. Eles também, estavam empapados.

Entramos. Nos secamos, nos esquentamos. O tempo virou. A chuva trouxe o frio, mas cada vez ficávamos mais quentes. Fogo.

Terra.

Ar.
Água.
Fogo.

Estávamos completos. E éramos apenas três.

(Ok, quatro, se considerarmos a cachorra.)

sábado, 11 de setembro de 2010

Maria

Maria tem um doce predileto. Não é nem quindim nem torta de morango. É chocolate, mais óbvio impossível, ela sabe. Sempre apela a ele, principalmente quando está de TPM. Sim, todo mês uma crise existencial toma conta de seu ser, junto aos ataques de choro sem sentido. Se bobear, lágrimas correm em seu rosto até enquanto vê uma reportagem do Fantástico.

Aliás, ela não curte muito esse programa não. Mas como todos, assiste. Outra coisa que não curte muito mas já viu pra caramba são aquelas comédias românticas, mas Maria se deprime sempre que acaba de vê-las, afinal, finais felizes nunca acontecem com ela - simplesmente porque nunca coloca um fim nas coisas, ou, quando coloca, dificilmente é feliz.

Ela é meio exagerada. E vive em crise. Ou com o trabalho, ou com a família, ou com os homens, ou com as vendedoras de loja. Estas últimas deixam Maria louca e sempre insistem que, ai, menina, claro que você cabe nesse número!. Aham, vai lá, experimenta e, ahá!, não entra. Então ela sai irritada, achando que está gorda.

Sim, Maria sempre acha que está gorda e se apavora quando vê celulite. Mas não se preocupe, ela vai começar um regime e vai entrar na academia... Segunda-feira.

É, Maria é um clichê. Aposto que você conhece muitas Marias por aí.

Isso se não for uma.

sábado, 14 de agosto de 2010

Memórias

Que bom que você veio. Agora me conte. Fale-me da época em que você me conheceu, menina, pequena, com aquele vestido roxo cheio de florzinhas e se pendurando no brinquedo do parquinho. Vai, eu sei que você se lembra das tardes passadas juntas, brincando, rindo. Esconde-esconde, pega-pega... Conta-conta, eu quero saber. O que estou fazendo neste quarto branco? Daquele suco de uva que sempre manchava a minha roupa. Aqui as bebidas são horríveis. Das minhas bonecas. Dos bolinhos de chocolate que eu dividia com elas - mas quem acabava comendo todos era você. A comida é péssima. Faz tempo que não como um bolo. Dos meus bichos de pelúcia que te faziam espirrar. Tem um urso sentado naquela cadeira olhando para mim. Quem o trouxe? Você ainda tem rinite?

E do colégio? Como era aquela época? Eu cumprimentava o bedel? Falava com os professores? Tinha amigos? Como eles eram? Quais eram minhas maiores preocupações? Tentar entender matemática, suponho. Eu entendia? Quantas flores bonitas por aqui. Eu particularmente gosto das amarelas, lembram-me do sol, que a propósito não passa por aquela janela empoeirada.

Por favor, faça-me lembrar daquele dia em que não parávamos de falar, a aula toda, todas as aulas. Por que você está me olhando com essa cara? Por que você não fala nada agora? Falamos até na sala da coordenadora - que resolveu falar com nossos pais. Como tínhamos tanto assunto?

As provas. Prove-me que estas lágrimas em seu rosto não são por minha causa. Me explica como eu fazia para ir tão bem. Quer dizer... Eu ia bem, não ia? Eu sei que ia: até ensinava os outros - claro que essa era uma desculpa bonita para que eu aprendesse mais -, eu te ensinava. Você me ensinava. Ou tentava.

Enumere as vezes que jogamos baralho e eu perdi. Fácil: eu sempre perdia. Pra falar a verdade, nunca entendi a ordem do truco, que muda a cada rodada.
Podíamos jogar truco. Pena que meu corpo está preso nesta cama. Mas fingia.

Sempre fingi muito bem. Menos quando me apaixonei. Confesse-me o que pensou do meu primeiro amor, como eu fiquei chata naquela época. Como você aguentou meu monólogo, meu único assunto durante aqueles dias? Já sei: aguentou como está aguentando agora. Só eu falo. Continuo falando. Aliás, como ele era mesmo?

E do meu primeiro beijo... Como foi? Eu sei que você sabe. Com certeza deve ter sido o primeiro a saber. Beije-me, por favor. Da minha primeira batida de carro. Eu chorei? Do meu primeiro emprego.

Nunca imaginaria como você seria importante para mim. Estou me sentindo uma velha, caduca. Sou uma. Do meu casamento você não pode falar. Você não estava lá. Não te convidei. Nem do nascimento da minha filha. Do meu filho. Da minha outra filha. São três? Acho que sim. Do dia em que me separei. Do sofrimento que tive quando perdi meus pais. Quando me senti só e totalmente só no mundo. Onde você estava? Quando me enfiei no trabalho e não quis mais sair. Eu fiz isso? Das minhas bebedeiras, nem me lembre. Eu mesma não lembro.

Você é minha memória. Pare de chorar, não chore pelo passado. Você está chorando pelo passado, né? Diga que não é pelo presente, não é pelo presente! Em quem sempre confiei. Como nos conhecemos mesmo?

Oh, meu deus. Quem é este homem que está me encarando, próximo demais a minha cama. Será que não é hora de tomar remédio?
Eu te conheço? Quem é você? Não se aproxime, pare por aí, não se aproxime! O quê? Visita? Não te conheço. É mentira! Você é um estranho! Saia daqui, por favor. SAIA.

- ENFERMEIRA!




domingo, 8 de agosto de 2010

Vidas

E de repente, ela envelheceu. Não era dia do seu aniversário. Mas estava velha. Se sentia velha. Olhava para o espelho e suas rugas denunciavam por quanto já havia passado para ser o que é hoje (apesar de não saber muito bem o que era). Olhava para o lado da cama e via um senhor, idoso e com problemas cardíacos.

Ele já era velho quando se conheceram. Ela era moça. Perdida. Fugira da casa dos pais aos 16. Não aguentava mais a mãe bipolar - e viciada em remédios. Mudou-se para a casa da tia (lésbica). Saiu. Virou hippie. Cheirou, bebeu. Dormiu em qualquer lugar. Inclusive com o velho - que tinha uma bela casa na praia, dava festa para intelectuais e era... Casado.

A mulher dele se matou. Na frente dela. Com um tiro na boca. Seu fantasma a acompanhou por toda sua vida. Agora tinha que fazer o homem por quem a outra se matara feliz. Ou não conseguiria ser feliz. Tentou ser a melhor esposa possível. Vivia para ele. Por ele.

Até virar mãe, quando passou também a viver para os filhos. Agora eles eram grandes.
Crescidos e vacinados. Não precisavam mais dela. Um deles, rapaz estudioso. A outra, uma menina rebelde e independente. Não conseguia entender a vida da mãe, a via com nojo: era submissa, não trabalhava. Vida inútil. Dona de casa. Sobrevive às custas do marido. Sobreviveu às custas do marido. A vida inteira. Inteira?

Inteira da filha, pelo menos. Desde que nasceu, viu a mãe em casa. Levando-a para a escola. Buscando-a. Servindo o almoço. Viviam bem, afinal. O pai era dono de uma editora. Não precisavam ter outra pessoa trabalhando para o sustento da família. Sustento financeiro, digo.
E emocional? O que era ela? O que era sua vida? Para a filha, uma fracassada. Mal sabia que... Mal sabia por tudo que tinha passado. O que tinha passado? Tinha um passado?

Para os outros, era um enigma. Seu presente, passado e futuro eram um mistério.

Até que... O marido morreu.

E ela renasceu. Estava nova.

Ele se foi. E junto a ele, seu presente opressor. Seu passado escondido. E seu futuro óbvio.

Libertou-se.

Do quê?

[Ok, se você já viu A Vida Íntima de Pippa Lee, reconheceu a história. Se você não viu, eu acabo de tirar grande parte da graça do filme. Assista se quiser. E já aviso: o final é tosco]


terça-feira, 3 de agosto de 2010

Gata na cama

Todos os dias, depois que deito, uma gata surge em minha cama.

Não ouço ela chegar.
Sinto.
Vem em cima de mim.
Caminha sobre meu corpo.
Pede por carinho.
Deita.
Ouço sua respiração.
Dorme.
Durmo.

... Quando acorda, vai comer sua ração e fazer suas necessidades em uma caixa de areia.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Juice & Co

Nada como repor a energia com um belo copo de suco, no Juice & Co. O difícil é saber qual sabor escolher - são tantas combinações de frutas... Abacaxi com banana e tangerina ou de uva branca com maçã? Hm, quem sabe um com iogurte, morango, mamão, maçã e mel?

Bom, independente de qual for a escolha, aliada ao ambiente super agradável, uma coisa é certa: dá para sair revigorado. Para comer, peça o Lamburguer - hamburguer de cordeiro, com um molho leve de queijo de cabra e ervas finas.

La Mole


Sabe aquele lugar em que as pessoas do bairro costumam almoçar de domingo? Onde os conhecidos se encontram e os garçons são conhecidos? Assim é o La Mole.

Inaugurado em 1958, ele já conta com 15 unidades espalhadas pelo Rio de Janeiro e Niterói. No cardápio, é possível encontrar pratos bem tradicionais, de massas a carnes, com preços bem acessíveis. E com gostinho de domingo.

Não deixe de provar o famoso couvert, que enche a mesa com uma cesta de pãezinhos bem diversificados, patês, ovos de codorna, linguiça frita, azeitonas, mussarela. Ah, chegue cedo. O restaurante - que é super pequenininho - fica lotado!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Le Petit Nicolas


Se você já frequentou aulas de francês, com certeza ouviu falar do Nicolas. Personagem principal da obra de René Goscinny, ilustrada por Jean-Jacques Sempé, ele é o responsável por narrar os acontecimentos de sua infância - que há mais de 4 décadas encanta garotos e garotas de todas as idades.

Agora, Nicolas saiu dos livros (a série conta com diversos volumes) e foi para as telonas. Assim como nos contos, o filme - dirigido por Laurent Tirard - é permeado por sacadas ingênuas, mas geniais. Por piadas inocentes, mas sagazes. Por coisas de gente pequena, mas que agradam (e muito!) gente grande.

Só para se ter uma ideia, a sala onde assisti estava repleta de adultos - não tinha uma criança sequer. E todos riram. Feito crianças.

Très chouette!

domingo, 20 de junho de 2010

Trânsito paradoxal

Dizem que São Paulo é um mundo. Como pode, se o mundo gira e a cidade está sempre parada?

[4/4]

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Cochilo

Cochilou no ônibus, perdeu o ponto. Cochilou na cozinha, perdeu o ponto. Cochilou no jogo, perdeu o ponto. Cochilou no volante, perdeu a vida. Ponto.

[3/4]

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Segredos

Têm validade. Ou se tornam públicos ou motivo de piada.

[2/4]

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Alergia

Sentei ao seu lado, começou a espirrar. Devia ser alérgico ao meu perfume. Ou a mim.

[1/4]

sábado, 12 de junho de 2010

Bella Paulista

"São Paulo deve ser a única cidade com uma padaria assim". Foi o que escutei do cara que estava na minha frente, na fila, enquanto esperávamos um lugar para se sentar. Certamente ele exagerou - outras megacidades também contam com padarias abertas 24h e repletas de opções para se comer (de sorvete - meio carinho - a doces, sanduíches, omeletes, pizzas, etc etc). Exagero ou não, o importante é saber que a Bella Paulista é parada obrigatória para combater a larica pós-balada/barzinho, se você frequenta a Augusta e arredores. O problema são as filas - vá de bom humor: o lugar fica realmente lotado.

domingo, 6 de junho de 2010

De artista e louco...

Uma mãe louca, uma noiva bipolar, um carteiro que gostaria de ser ator e um rapaz que berra o tempo todo. São eles que preenchem o palco da comédia "De artista e louco todo mundo tem um pouco", em cartaz no Teatro Brigadeiro até 27 de junho. Boa para quem gosta de humor pastelão (com direito a bandejadas na cabeça), sotaques mal feitos ou Zorra Total. Não foi o meu caso.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Drosophyla

Quem passar despercebido por essa travessa da Consolação, não notará a presença do barzinho. Sem placa nenhuma e com uma pequena fachada, o Drosophyla torna-se um reduto em meio a agitação de seus arredores. Mas calma lá! Se você pensa que encontrará calmaria nesta casa muito engraçada (com teto e cheia de badulaques trazidos por seus donos de suas viagens), engana-se. O bar costuma ficar cheio - tanto as mesas do fundo da casa, ao ar livre, como os sofás espalhados lá dentro. Sempre há grupos animados de pessoas - dos mais diversos tipos - conversando. E comendo. E bebendo. Experimente a caipirinha de bergamota (tangerina) com pimenta rosa - ou o pudim de ovomaltine, que também não é nada mal.

Ah, para quem gosta de animais, a casa é frequentada por dois felinos superdisputados, que passeiam calmamente entre os frequentadores.

domingo, 30 de maio de 2010

Sonique

É um bar-balada meio cinza. E não é só pela cor da parede sem acabamento. Como bar, até tem uma caipirinha forte e comidas bem gostosinhas (wraps com shitake e tomate, bruschettas com manjericão e tomate... Não, eles não fazem coisas só com tomate). O problema é a dificuldade para arranjar um lugar para sentar e a impossibilidade de conversar - se quiser, nem tente. Ou grite - afinal, é uma balada. Mas como tal, peca na falta de animação das pessoas. Culpa do DJ? Do horário? Do dia? Dos saltos altos? Talvez. Apesar de unir pessoas de diferentes faixas etárias e estilos, parece que o Sonique só é frequentado por pessoas que estão lá apenas de passagem... Bom, deixe a balada para depois.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Bomba nacional



Pense em um filme com duas bombas atômicas explodindo no Brasil. Uma próxima a Manaus e a outra na baía de Santa Catarina. A primeira, abre uma clareira de 10 quarteirões no coração da Amazônia. A segunda, faz uma marolinha. Os mandantes? Narcotraficantes colombianos com um sotaque de araque irritadíssimos com o Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM) que atrapalha suas investidas país adentro. Junte a isso Thiago Lacerda como um agente da ABIN que se enrosca com a filha de sua chefe e coloque Milton Gonçalves no papel de presidente - com direito à cena dele rodeado por criancinhas + hino nacional ao fundo. Para finalizar, apresente os modelos de aviões da Aeronáutica Brasileira e toda sua capacidade. Ah! Não deixe de colocar no final alguns dados enaltecendo o exército.

O resultado? Uma bomba. Atômica. Que faz rir, para não chorar. E faz também sair do cinema com vergonha alheia.

domingo, 9 de maio de 2010

Ser mãe

É difícil ser mãe.

Não digo isso pelos meses tendo que carregar um bebê na barriga, pelos enjôos que isso causa, pela dificuldade para dormir durante a gravidez. Não digo também pela dor de largar o filho no primeiro dia da escola, pelo desespero ao vê-lo cair - enquanto aprende a andar, pelas fraldas a serem trocadas ou pelos choros de madrugada. Não estou dizendo pelas noites mal dormidas, pelas olheiras, pelo cansaço do dia seguinte. Nem pela dificuldade que é pensar "será que estou criando meu filho do jeito certo?" ou pelas incertezas do futuro: o que será dessa criança.... Também não digo que é difícil ser mãe pela responsabilidade em protegê-lo, pelo medo de que se envolva com más companhias, pelo medo dos outros.
Ser mãe não é difícil por ter que aguentar aquilo que saiu de seu ventre brigando com você, cheio de espinhas na cara e razões na cabeça - rebelde. Nem pelo fato de ir a uma reunião de pais e perceber que o pior boletim é o que está em suas mãos. Não é difícil por ter que aguentar o quarto bagunçado, o som alto, as baladas de fim de semana e as tentativas incansáveis dos adolescentes em se fazerem de adultos. Não é difícil também por voltar a não dormir à noite. Também não é por falar e não ser ouvida. Por repetir e nada. Por repetir de novo e... Nada.
Ser mãe não é difícil por notar que o filho cresce, e, de repente, sai de casa, vai viver a própria vida, torna-se independente. Se casa, imagine! Não, não é difícil ser mãe só por perceber que ele já não precisa mais de mim. E eu estou ficando velha...
É difícil ser mãe porque mãe ama.
E ama um amor diferente do que o de qualquer pessoa. Um amor diferente de qualquer amor. Incondicional, eterno, ao qual não se pode escapar, por se estar condenado pelo resto da vida. Um amor doce, tenro. Um amor que só o olhar de uma mãe para seu filho pode demonstrar. Um amor que se torna o clichê de todos os clichês de amor, de tão forte que é.
E amar... Sim, querido, amar é difícil.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Sonhos roubados



Sonhos Roubados, filme de Sandra Werneck, tem uma temática difícil. Apesar de recorrente em filmes brasileiros, e até batida, a dupla pobreza/violência continua sendo complicada de se retratar. Ainda mais se considerarmos que os personagens centrais são jovens mulheres. Facilmente, pode-se errar na dose. E foi o que aconteceu.

Buscando a aproximação com a vida de três adolescentes de uma favela carioca, a diretora peca pela tentativa de sensibilização, de mostrar que apesar do sexo, das drogas e da violência, elas são apenas meninas. Não são. Elas têm problemas de gente grande, agem como gente grande e, de vez em quando, mostram-se doces meninas. De vez em quando.

Jéssica (Nanda Costa) tem 17 anos, uma filha para criar e se prostitui para ter dinheiro, que é usado, entre outras coisas, para cuidar do seu avô. Sabrina (Kika Farias) também faz da prostituição fonte de renda, apesar de trabalhar em um bar durante o dia. Seu problema se agrava quando ela se envolve com um traficante – e engravida. Daiane (Amanda Diniz) completa o trio: é a mais nova, e com apenas 14 anos vê-se dividida entre a vontade de ter uma festa de 15 e ser reconhecida por seu pai e o caminho que seguem suas amigas. Sem contar com os abusos que sofre de seu Tio Peri, interpretado por Daniel Dantas.

Pedofilia, prostituição, gravidez na adolescência, tráfico de drogas, pobreza e violência são temas extremamente pesados mas que acabam sendo tradados sutilmente no filme. É como se tudo isso fizesse parte da vida daquelas garotas, fosse normal, e que o importante seja alcançar seu sonho – independentemente de como. A superficialidade com que são tratados os temas incomoda.

As meninas vendem seus corpos com uma facilidade sem tamanho. Poucos são os momentos em que a dor de se prostituir ou a melancolia aparecem. E se aparecem, acabam não bem aproveitados. Não há um aprofundamento na discussão e nem mesmo uma sensibilização por parte do público. A impressão é que, tamanha é a vaidade das garotas (conseguir uma calça jeans de R$49, ter uma festa de 15) que se prostituir compensa. Ou mesmo a pedofilia. Os dramas não recebem a proporção que deveriam ter. As lágrimas não comovem.

A tentativa de sensibilização é falha e os diálogos levam grande parte da culpa. Ao invés de naturais, eles acabam por servir, na maioria das vezes, como muletas para a continuidade da história. Diversos são os momentos em que explicações longas sobre fatos passados são dadas em meio às conversas, para que assim, o público possa entender o que levou as personagens àquelas situações. É o caso da cena do cemitério, por exemplo. Desnecessária.

O filme parece ser feito para expor o cenário cruel em que vivem meninas brasileiras, mas, definitivamente, não envolve o público. As histórias acabam por, apesar de trágicas, levando a clichês. A vida difícil que meninas reais vivem parece ser menosprezada na ficção. E o final colabora para esse desprezo.

domingo, 18 de abril de 2010

Melhor coisa


Amores não correspondidos certamente não são uma das melhores coisas do mundo. Devem estar entre as piores, até. No novo filme de Laís Bodanzky, justamente chamado As melhores coisas do mundo, o drama de paixões da adolescência - sejam elas quais forem - é retratado. Não só eles, mas também as dúvidas, incertezas, e problemas inerentes da idade. Com leveza - e diálogos - praticamente naturais.


O filme mostra alunos de um mesmo colégio em São Paulo, cidade que aparece com seus congestionamentos e seus muros grafitados. Nele, estão adolescentes em busca de uma identidade, algo próprio da fase. São meninos que lutam dia após dia para terem a certeza de quem são. Seja conseguindo o beijo daquela(s) garota(s) (ou daqule professor), escrevendo em seu blog, bebendo com os amigos, criando um grêmio no colégio - para se diferenciar dos outros, e assim, firmar-se como próprio.

Mano (Francisco Miguez), o protagonista, está cansado da bolha sem ar (como ele próprio define) que é seu colégio. Briguinhas e fofocas são aumentadas com a presença tecnológica - sms são trocadas com extrema rapidez, máquinas fotográficas registram cada segundo, que logo é multiplicado na internet - há até uma aluna que mantém um blog para isso. O bulling se intensifica e de uma hora para a outra, pode-se virar o "zoado da vez". Ninguém está imune. Nem a bonitona do colégio.

As cenas são rápidas, os conflitos aparecem e desaparecem com a mesma velocidade que se passa nossa adolescência. Tudo anda depressa. Até mesmo os momentos de reflexão da personagem mostram ao fundo, fast foward.

Se os problemas pelos quais passam as personagens podem parecer bobinhos a princípio, lembre-se: estamos falando da adolescência. Tudo é bobo se visto de fora. Agora e visto de dentro? É um furacão. E eles parecem crescer a medida que nos envolvemos com os personagens. O sofrimento de Pedro, irmão do protagonista, com o fim de um namoro. A angústia de Gabriela, melhor amiga de Mano, ao saber que o colégio todo descobriu seu segredo. A pressão que sente o personagem principal para perder a virgindade. Tudo parece exagerado. Mas não é.

Difícil não se identificar com os personagens. O roteiro faz com que saiam da boca dos adolescentes frases extremamente verdadeiras, verossímeis. A dor, a alegria, todos os sentimentos são válidos. A dificuldade de encarar a separação dos pais - e ainda mais o motivo pela qual se deu. A felicidade em tocar violão com os amigos, e cantar Something, dos Beatles. Tudo. Tudo é válido. Afinal, sem as piores coisas do mundo, não haveriam as melhores.

sábado, 10 de abril de 2010

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A adolescência é um período difícil. Repleto de questionamentos. Quem sou eu? Criança? Adulto? Sou alguma coisa? Um momento repleto de insegurança. O colégio está acabando, o que farei? Que caminho seguir? Seguirei algum caminho? Uma época em que já não se é mais nada do que se foi e ainda não se tornou nada do que se será. É quando ocorrem as transformações, as mudanças internas e externas. Mudanças psicológicas e físicas. E é justamente por essa fase da vida em que se encontra o personagem principal de Os famosos e os duendes da morte, primeiro longa Esmir Filho.

Morador de uma pequena cidade de colonização alemã, localizada no sul do Brasil, o rapaz, interpretado pelo novato Henrique Sorré, afirma em dado momento que não é uma criança idiota. Mas tampouco é um homem. Ele passa os dias perdido, vagando pelas ruas limitadas da cidade ou pelos caminhos infinitos da internet. Se por um lado, ele se vê sufocado pelas restrições de onde vive, por outro é por meio da rede que ele tem a possibilidade de escapar.

A fuga é um elemento constante em toda a trama. E diversos são os meios pelos quais ela é dada: a arte (o menino escreve, desenha durante a prova de química, forma essa de escapismo, de criar seu mundo melhor, de perder-se em suas criações e evitar o confronto com o real); a tecnologia – os fones de MP3 colados aos ouvidos da personagem, enquanto caminha pelas ruas desertas; a droga, a maconha que o garoto fuma com o amigo; a bebida, o vinho tomado com a mãe, a “felicidade” compartilhada do gargalo; ou ainda, a morte. Sim, a morte ronda a cidade. Fantasmas, espectros. Como forma de libertação, muitos são os moradores que optam pelo suicídio, saltando da ponte – que se torna também uma personagem e ainda metáfora.

É esse o caminho que escolhe a menina auto-apelidada “Jingle Jangle”, irmã do melhor amigo do menino que se diz ser “Mr. Tambourine Man” – o personagem principal. Ambos os nomes estão ligados à canção de Bob Dylan, ídolo do garoto, que tem uma fixação pela garota. A falta de nome das personagens (menina sem pernas, menino sem nome, respectivamente) nada mais é do que um claro questionamento da própria identidade, que se esconde atrás de um apelido. Em nenhum momento o personagem principal é chamado por um nome. Nem na escola, quando ele é o último a ser escolhido para fazer parte do time de futebol, nem nos créditos: em que ele se resume a pontos. Ele não é nada. E o pouco que tenta ser, é traduzido em seu mundo cibernético – em meio a textos em blogs, conversas no MSN, vídeos do Youtube e fotos no Flickr.

Os nomes não são importantes. Mas se nem a cidade tem um nome, por outro lado, a cachorra de estimação da família tem: Inês. É com ela que a mãe do rapaz conversa, já que poucos são os momentos em que se estabelecem um diálogo entre os dois. Incomunicabilidade. O menino não tem o que falar com sua mãe, não tem o que falar com seus avós. Aliás, a dificuldade de manter os laços familiares surge como resposta à busca pelo novo, à repudia da cidade, da tradição. O menino nega visitar túmulo do pai. Nega participar de uma tradicional festa junina, em que a cidade inteira de reúne. Ele quer algo diferente. Não quer mais aquela vida.

Ainda sobre o dilema comunicacional, que de certa forma tem a ver com a negação do garoto, em uma cena acaba evidente. Ao visitar seus avós, o rapaz é deixado com o avô, enquanto a avó vai buscar dentro de casa um pão. Silêncio. Eles se encaram. Não se estabelece a comunicação possível. Em compensação, quando retorna, a velha conversa com o marido. Em alemão. O espectador? Fica sem entender nada. Vazio. Como o menino.

Tanto o garoto quanto o local em que se passa o filme estão perdidos no meio do nada e são abraçados pela névoa. Não são nada. Vazios. A fotografia do filme, inclusive, colabora para a criação desse clima de melancolia. As cores são escuras. Os locais são mal iluminados. Se a noite é preta, o dia é cinza. Nem mesmo ele escapa da sobriedade. Frio. Sombrio. 5°, indica o rádio em dado momento do filme. Gelado. As emoções congelam-se, entediam-se. O personagem também.

O filme é permeado por uma sensação de claustrofobia, de angustia por estar sempre no mesmo lugar. A profundidade de campo reduzida é um recurso usado com frequência e que garante essa sensação. O desfoque, as cenas que se misturam, a falta de profundidade reforçam esse vazio, essas incertezas.

Logo no início somos levados ao quarto do garoto. Vemos o teto. A câmera demora. É lenta. Não sai de lá. Quer ver mais? Quer sair dali? Quer correr? Não há pernas, não há espaço. Quer mudar? Não se sabe como. Assim como o garoto. Morte? Uma saída. Mas falta coragem para enfrentá-la. E mesmo se a enfrentar, será capaz de livrá-lo de suas dores?

Aliás, até metade do filme não se tem conhecimento de um dado importante: as altas taxas de suicídio na cidade. Por meio de uma conversa banal com o seu amigo, tudo se esclarece (inclusive a cena se torna mais clara, no sentido literal da palavra). Quem é a menina, Jingle Jangle, o que aconteceu com ela, o que acontece com o garoto. Entende-se porque ela não tem pernas. Não consegue fugir correndo dali. Apenas saltando, voando. Morrendo. Entende-se quem é a garota. Está morta.

Se a menina não passa de um fantasma em sua imaginação, ela está bem viva ali: na internet. Nem da morte escapa-se quando se está imortalizado na internet - espaço onde os mortos vivem. Se por um lado, o computador serve como fuga para o garoto, por outro o faz voltar ao passado, recordando da menina. Remoendo sua dor. Sim, ela está ali, viva em imagens gravadas com seu então namorado, interpretado pelo também roteirista Ismael Canepelle, personagem enigmático que ronda, como um espírito, a cidade e aumenta a curiosidade e fixação do menino pela garota.

Os vídeos são os responsáveis por quebrar a narrativa. Constantemente surgem gravações granuladas, com enquadramentos amadores, como se estivéssemos assistindo a um vídeo do Youtube transportado para a tela do cinema. A qualidade é baixíssima. O efeito, porém, altíssimo. A mistura das linguagens enriquece o filme, que não só traz a penumbra da cidade, mas também cenas caseiras – e deveras non sense – feitas por dois jovens, entediados.

Da mesma forma como as linguagens se misturam, o real e o imaginário também. Perdido na realidade, o garoto principal da trama passa a vida entre sua rotina prosaica e suas noites na internet, vendo o que deixou a menina morta. Ele a vê. A imagina. Junta os mundos por meio da rede. É por meio dela que se imagina como seria estar em um show de Bob Dylan.

Sendo assim, há a mescla da realidade com o virtual. Ele conversa com amigos pela internet, que o incentivam a sair daquela cidade – enquanto trava diálogos com o amigo da cidade, que insiste para que ele pare com essas idéias de querer mudar. Imagens se sobrepõem: como é o caso da estrela iluminada no teto que pousa em sua mão. O céu estrelado por adesivos que se funde com o menino caído nos trilhos do trem. O clima é onírico.

Dúvidas, incertezas. A câmera também é incerta. Ora filma o garoto, ora o perde. Também está perdida. Em dado momento, a mãe dança e chora. E é nessa dança circular que a trama se mantém, sem chegar a uma conclusão fechada. O círculo, aliás, aparece em outras cenas: quando o amigo do menino, de bicicleta, o circunda enquanto este caminha reto. Quando ele brinca no gira-gira. Gira, gira, sem sair do lugar. Não tem como escapar. Assim como é a morte.

Por meio da fotografia escura, da trilha sonora folk-indie (com músicas feitas especialmente para o filme), do personagem principal que pouco fala, da mistura de linguagens, constrói-se um mundo próprio, repleto de dúvidas e incertezas. O filme é capaz de traduzir, em imagens – pois poucos são os diálogos – as sensações de um adolescente perdido. O clima que se tem é como se aquilo não passasse de um sonho, uma fase, vai terminar rápido. Uma fase triste, sombria, tenebrosa, incerta. Assim como é a adolescência para muitos.

terça-feira, 30 de março de 2010

A vida dura mais que 90 minutos


Aos 30 anos, Zeca segue sem saber o que fazer de sua vida. Vivendo da mesada da falecida mãe, casado com a bem sucedida Júlia e empacado na 50ª página de um romance, o dito escritor passa os dias sem saber o que escrever, nem para onde ir. Esse é o clima de Histórias de amor duram apenas 90 minutos, filme de Paulo Halm.

O tempo vai passando, o protagonista vai se pressionando para sair de seu bloqueio criativo e vai se angustiando com um relacionamento que após 5 anos, já não dá tudo que ele procura. Tempo. Fator importante em sua trama. Literatura, de certa forma, também: ela se confunde com a vida, e o bloqueio literário pode ser também um bloqueio de sua vida pessoal. Drama, comédia e romance são outros elementos que fazem parte do filme, mesclando aspectos existencialistas com o riso, melhor forma do escapismo, e romance – afinal, trata-se sobre relacionamentos.

Em busca por inspiração, os dias do rapaz interpretado por Caio Blat são resumidos em andanças pelas ruas de um Rio de Janeiro diferente do que se vê nas novelas ou em outros filmes, cercado de favelas. Um Rio de Janeiro não mais cheio de belezas, cidade maravilhosa. Nem Ipanema é tão bonita assim. A ambientação do filme, a fotografia, tudo leva a certo tédio, ou melhor, a uma cidade normal, a uma vida normal. Tão normal que de nada se pode inspirar. Daí seu bloqueio criativo. Ao rondar pelo Rio, Zeca vê diversas mulheres, imagina histórias. Não as escreve, nada o estimula tanto assim. Sem contar na pressão para escrever seu livro, que desfavorece a criatividade e é aumentada a cada visita que faz ao pai, vivido por Daniel Dantas.

Sem rumo, o protagonista não consegue progredir com sua escrita e, ao mesmo tempo, estaciona com sua própria vida. O casamento está num impasse. Ela fazendo seu doutorado. Ele não fazendo nada. Ela está sempre ocupada, estudando. Ele está sempre preocupado, andando, perdido. Ele quer sexo - muito. Ela não tem tempo para isso. Ou tem, mas não tanto quanto ele queria.

Ao voltar mais cedo para casa após um dia qualquer, flagra sua mulher com Carol, amiga argentina. Dá-se início às dúvidas, e à história (de amor, que, lembre-se dura apenas 90 minutos). O rapaz começa a imaginar sua mulher traindo-o com a melhor amiga. E mais: passa a se envolver tanto com sua imaginação que se perde entre a realidade e a ficção. Começa a se apaixonar por Carol, argentina, dançarina de tango, leve – o oposto de sua mulher, mas tão decidida e independente quanto.

Se por um lado, o personagem deixa de escrever um romance, por outro ele começa a escrever seu romance. Sua vida passa a estar dividida entre o que é real e o que é imaginado. Ama as duas. E acredita que as duas se amam. Acredita que as duas o amam. A narração em primeira pessoa reforça o caráter duvidoso do romance entre as mulheres, cujas cenas aparecem apenas no imaginário de Zeca, e é um elemento imprescindível para a obra.

Dessa forma, cria-se um jogo entre o que o rapaz deveria fazer (inventar um romance!), o que ele está fazendo (inventando um romance) e como ele está fazendo (com sua própria vida). Os diálogos são rápidos, os conselhos dados por seu pai são primorosos e cômicos. A história vai passando, os minutos vão levando ao final do filme. Ao final da história de amor. Amor?

A forma como é conduzido o filme leva o público a rir da incapacidade de Zeca de seguir uma vida “normal”, esperada por um cara de 30 anos. Ele está perdido. É sinal da tal geração perdida. Não conseguindo inventar a história de seu livro e cansado com a sua própria história (o protagonista sempre foi atraído pelo suicídio, apesar de não apresentar um caráter suicida), ele começa a inventar a sua própria história. Começa a imaginar coisas. Apimenta sua vida imaginando uma traição de sua mulher com outra. Outra mulher. Melhor ainda quando começa a se envolver com a outra, sem que sua mulher saiba. Melhor? Até certo ponto. Afinal, histórias de amor duram apenas 90 minutos. E depois dessa historia de amor o que lhe resta? O livro. Empacado? Talvez. E a vida?

segunda-feira, 29 de março de 2010

Os incomodados não se mudam

Favela. É o que se mostra logo na primeira cena, na primeira imagem do filme Os Inquilinos, de Sério Bianchi. Barracos amontoados, que mesmo com a abertura da câmera, se mantêm praticamente infinitos, inúmeros. Extremamente parecidos, acabam por invadir a tela. Em um primeiro momento, pode-se pensar: “mais um filme retratando a pobreza brasileira...”. Não. Definitivamente não o é.

O enredo pode ser considerado, de certa forma, simples: três bandidos passam a morar na casa ao lado da onde vive a família central do filme - a dona de casa, Iara, seu marido Valter e as duas crianças. A proximidade de ambas as casas faz com que a vida da família seja invadida pelos novos inquilinos. Festas até madrugada, xingamentos e violência, passam a fazer parte da rotina familiar, sendo presente nos diálogos do casal, em suas reclamações, em seus medos, em sua curiosidade. O som proveniente dos vizinhos incomoda. As ações dos mesmos incomodam. Os vizinhos incomodam.

Valter, que trabalha carregando pacotes de maçãs e estuda no supletivo à noite, sente-se desconfortável desde o princípio. Mais do que isso. Preocupa-se com a possibilidade de aproximação dos estranhos com sua família, a qual ele, como progenitor, tenta – ou deveria - proteger. O filme é permeado pelo desconforto gerado pelos novos inquilinos, reforçado seja pela trilha sonora, pela fotografia ou pelas próprias cenas (algumas escuras, fortes, com sobre posicionamento de imagens em dados momentos, ou ainda de flashback).

Mais do que as dificuldades pelas quais passam os personagens, moradores de uma região pobre e periférica de São Paulo, há o sentimento de impotência rondando a película, principalmente na forma do personagem masculino. E o cansaço perante ela. Valter passa o dia inteiro fora. Teme pela morte de alguém. Dele, talvez. Insiste com seu patrão para ter sua carteira assinada, “nunca se sabe, ainda mais com filho pequeno pra criar...”. Incerteza do que possa vir a ser seu futuro.

Enquanto isso, os três rapazes passam o dia na base de cerveja: “não trabalham”, diz Iara, que começa a acompanhar a vida alheia – agora invadida e misturada a sua. Misturada até certo ponto, pois a própria personagem afirma e reafirma como forma de se convencer: “Nós não somos essa gente”. Não o são. As crianças vão para a escola, o marido tem seu emprego, a família vive numa casa de classe média baixa, herdada do pai de Valter, quem a construiu tijolo por tijolo.

Não são as armas, os tiros, a violência, a pedofilia ou a prostituição elementos fundamentais da trama. Eles, inclusive, passam em segundo plano. Não são os xingamentos, as palavras sujas ditas pelos bandidos, as principais palavras das falas do filme. Muito pelo contrário: não é o clichê da periferia que é mostrado. É um dilema superior, quase existencial. É a aflição de uma família sufocada pela presença ameaçadora de bandidos, pela presença do desconhecido. É o medo. A fraqueza de pessoas honestas. Desprotegidas.

Com isso, não se tem um filme de favela ou de pobreza, e sim um filme de dilemas de uma classe que tenta sobreviver em meio a intempéries. De um pai trabalhador, de uma mãe que passa o dia acompanhando o cotidiano dos bandidos para com mais certeza, afirmar: não pertencemos ao mesmo tipo de pessoa que eles.

Não são o mesmo tipo de pessoa que “eles”, os inquilinos, mas também não estão sozinhos em meio a essa presença. A cena final mostra Valter misturando-se aos outros moradores do bairro, a caminho do trabalho, como todos os dias. O plano picado, com a câmera alta, coloca-o como mais um, entre a multidão. Mais um que segue com suas dúvidas, suas certezas, seus medos e aflições. Mais um que segue com sua vida.

domingo, 7 de março de 2010

Refúgio

Comecei este texto pelo título. Nunca faço isso. Talvez por nunca ter a certeza do que falarei, e a quantas andará o que escreverei. Enfim, agora não faço idéia do que falarei nem como terminarei isso aqui. Mas começou está começado, não adianta escapar.

Refúgio. Todo mundo precisa de um. Todos, mesmo o mais forte dos homens, certamente possuem - ou procuram - um lugar onde possam descansar. Não só descansar. Pensar também. Pensar, ler. Ouvir, conversar. Perceber o mundo. Sentir e ser sentido.

Pode ser, de fato, um lugar. Com céu, mar, montanhas, grama ou apenas quatro paredes. Pode ser um quarto, seu quarto - ou o quarto de outra pessoa, com quem você se sente igualmente bem. Pode ser uma pessoa. Se refugiar em alguém. Muitos costumam usar outros como refúgio (e são os mesmos que também acabam servindo para tal). Ainda assim, apesar de comum, esse é o refúgio menos óbvio de se encontrar: alguém. Bem mais fácil achar um esconderijo em alguma praça, em algum parque, em alguma viela, em algum prédio - próximo a caixa d´água, nas escadas de incêndio... Bem mais fácil achar um lugar para se chamar de seu do que uma pessoa. Bem mais difícil se refugiar sozinho.

(Pausa para brincar com o cachorro). Não resisti, ele estava lá, no sol. Foi para a sombra. A sombra também pode ser um bom refúgio. Agora fica assim, me olhando. Os animais também servem de refúgio. Podem muito bem amparar uma alma solitária, que busca explicações ou o fim de seus tormentos. Eles são ótimos nisso. Pause para brincar com algum cachorro vira-lata perdido por aí. Pause. Pausar.

Comida. Alguns a utilizam como válvula de escape para suas preocupações. Uma barra de chocolate, por exemplo. Bebida também. Ah, como ela recorrentemente serve para alguns! Bares. Encontrar um garçom amigo. Amigos. Amigos podem ser a solução. Provocam o riso, aumentam a alegria, aquecem-nos. E há também as palavras! Isso aqui, por exemplo, é certamente um refúgio.

Caramba, não imaginei como podemos fazer diversos os nossos refúgios.

Seríamos nós um bando de refugiados?

Espere. Do que tentamos escapar?

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Inspiração

Meu deus, o que tem acontecido comigo? Olho para meus papéis e só tem rascunhos. Notas, frases soltas. Desconexas. Ou será que há nelas o mínimo de coerência?! Como pode? As últimas coisas que escrevi acabam amassadas na gaveta e sempre incompletas. Será então um sintoma de mim? Cara, será que sou assim?

- Não, você não tem nada de incompleto ou amassado. Só está um pouco sem ter o que escrever...

Pronto. Vou transformar isso em um diálogo para soar melhor. Assim não pareço um louco a resmungar sozinho pelos cantos. Estou acompanhado, por uma bela guria. E por vinho, ah, como eu gosto de vinho.

- Como sem ter o que escrever? Eu vivo disso, eu sou pago para isso. Então quer dizer que agora não tenho como viver nem pagar minhas contas.

- Não é isso, o problema é que você não se concentra e está muito exigente. Seus textos já foram bem melhores e os assuntos bem mais simples. Se tentar enfeitar muito dá errado. Ou se tentar falar alguma coisa que você não sabe, pior ainda.

- Então quer dizer que devo escrever só sobre algo que sei?

- É o que se espera, não? Ou você quer dissertar sobre a vida das algas marinhas no oceano índico?

- Não, nem sei se tem alga marinha lá.

- Então pronto. Fale sobre o que você sabe.

- Eu não sei de nada. Nem nada sei. Ou melhor, só sei que nada sei. Não foi Sócrates quem disse isso? Aí, ó, também não sei. Céus, que desgraça.

- Então fala sobre amor. Amor sempre dá certo.

Agora ela me vem com esse papo de amor. Até parece. Ainda mais dizer que sempre dá certo. Tem vezes que nem dar dá.

- Não sei falar sobre amor e se eu não sei, não tenho como escrever. Além do mais, puta assunto batido. Quantos não são os que falam de amor? Qualquer música sertaneja, qualquer propaganda de desodorante.

- Propagandas de desodorante não falam sobre amor. Falam mais sobre pegação, instintos animais e tal. Por que você não fala sobre a natureza?

- Impossível. Já nem tem mais natureza por aí. Estão acabando com tudo.

- Impossível é você, pelo que eu estou percebendo. Se você preferir, fique quieto. Melhor assim, para evitar falar besteiras.

- Você acha que eu falo muita besteira?

- Um pouco.

- Então posso continuar falando até que você ache que eu fale muita?

- Não.

Depois dessa, calei a boca, terminei meu vinho e fui dormir. Não dá pra discutir com ela.