terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Metrôs, balés e cantores pop

Existe um lugar em que os estranhos ganham uma certa empatia motivada pela repetição: o metrô. Era sempre assim. Ela entrava no vagão sabendo que encontraria alguém conhecido - mesmo sem conhecer ninguém. A mulher com a criança de colo, a menina que só mascava chiclete, o senhor que usava sempre terno, o cara de all star... Eram todos velhos conhecidos. Ela sabia de cor as aventuras que resultaram nos rasgos no tênis, as cores e estampas das gravatas, a marca do chiclete e o nome da creche para onde o menino ia. E olha que ela nao perguntava nada, ficava sempre quieta - suas descobertas eram por pura observação.

Mas naquele dia, ela nao viu a mulher, a menina, o senhor nem o rapaz. Ela nao estava indo para seu lugar de sempre, cruzando com as mesmas pessoas. O caminho era outro. E isso a deixava extremamente nervosa. De certa forma, sempre se sentiu protegida em meio a desconhecidos-conhecidos. Sabia direitinho na estação onde ia parar e o que ia acontecer. A previsibilidade a confortava. 

Tinha sido chamada para uma apresentação de balé no Municipal. Nem sabia o que vestir. Essa história de ser chique não era com ela - e mais, nao estava acostumada a ser convidada para espetáculos. Aliás, não estava acostumada a ser chamada para lugar nenhum, assim, formalmente. Esse era seu "primeiro encontro" - e isso de ser tudo programado a apavorava.

Colocou um vestido, pôs seus fones de ouvidos e deu um play em Tchaikovsky pra ver se entrava no clima. Anhangabaú. O destino chegou mais rápido do que ela imaginava. Saiu do metrô e foi em direção ao Teatro. De longe, percebeu que ele a esperava na entrada. Ofereceu o braço ao cumprimentar. Que brega. Sentaram e o desconforto de primeiro encontro se intensificou. Falaram do tempo, até que a noite está agradável, né?, da arquitetura renascentista barroca do século XVII edifício, você sabia que este prédio tem influência da Ópera de Paris? E as luzes se apagaram.

O braço dele relava o dela, assim, de vez em quando. As mãos nao sabiam muito bem o que fazer. Ela sentia que ele a observava: olho pra ele ou nao olho? Tentava se fixar nas dançarinas, flutuando pelo palco, ah, como queria ser uma delas naquela hora. Intervalo. Ele pediu uma taça de champanhe. Que brega, pensou de novo, e resolveu ficar na coca-cola. Se entreolharam, deram uma risada ou outra. Ela sabia que estavam ali por algum motivo - afinal, não tinha aceitado ir até lá a toa. E era esse motivo claroscuro que a deixava sem jeito. Então assim são os primeiros encontros? Um poço de formalidades informais? Vontades incertas e reprimidas? Pego a mão ou não pego? Elogio o perfume ou não? 

Se beijaram no final do quarto ato. Ele ofereceu uma carona: não, não, eu vou de metrô mesmo, então é isso, tchauzinho, nos falamos. Não via a hora de voltar para o buraco. Acelerou o passo, desceu as escadarias praticamente pulando os degraus. Tinha um turbilhão de emoções.

*

Percebeu que estava sendo observada descaradamente. Sentado ao seu lado, um cara mexia no iPod. Vira e mexe ela sentia que ele desviava o olhar do aparelho diretamente para seu rosto. Disfarçava. Tentava descobrir o que ele estava escutando. Com certeza não era música clássica. Em uma dessas olhadas para o mp3, ele abriu o bloco de notas do aparelho. 

"You're beautiful". Ela ficou roxa. Como se já não bastassem as horas que precediam esse momento - com balé, champanhe, pessoas arrumadas, diálogos vazios e um beijo confuso - agora ela estava levando uma cantada do cara do metrô. Isso nunca acontecia.

"Haha, valeu"

"What's your stop? You should invite me around" - respondeu em inglês? Então o cara é gringo?

"Cannot. Sorry!" 
 
 "Tragedy", apagou e voltou a escrever: "TRAGEDY"  

"haha you're funny"

"that DOESN'T HELP AT ALL. you should give me your number before we arrive in your stop"

Ela deu o facebook. Perguntou o que ele fazia. Curso de teatro, coisa rápida, dentro de uns dias voltaria para a Inglaterra. Ele chamou para assistir a sua peça de trabalho final do curso.

*

- Então, aí eu fui lá... Era uma coisa meio doida, uns caras recitando umas poesias, mas tudo em inglês. Pareciam aquelas peças de teatro de escolas de idiomas - só que mais profissional.
- Mas me diz uma coisa, você chegou a sorrir pra ele no metrô?
- Ai, que pergunta, devo ter sorrido, sei lá.
- E você estava com outro homem...
- Antes, né? Mas não lá dentro. Por quê?
- Ele viu seu rosto num lugar lotado, não sabia o que fazer porque nunca estaria com você... Isso é James Blunt. "You're beautiful...

Parou por um momento. Não podia acreditar no que a amiga lhe contava. Ela caiu na cantada do James Blunt? E toda a magia inesquecível de receber recados do estranho do metrô? E toda a poesia do "você é bonita...". Espera, será que essa era a música que ele estava ouvindo, afinal? Escreveu só para deixar claro? Olhou incrédula para o café que estava tomando. Levantou o rosto e soltou:

- ...It's true".