sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Inspiração

Meu deus, o que tem acontecido comigo? Olho para meus papéis e só tem rascunhos. Notas, frases soltas. Desconexas. Ou será que há nelas o mínimo de coerência?! Como pode? As últimas coisas que escrevi acabam amassadas na gaveta e sempre incompletas. Será então um sintoma de mim? Cara, será que sou assim?

- Não, você não tem nada de incompleto ou amassado. Só está um pouco sem ter o que escrever...

Pronto. Vou transformar isso em um diálogo para soar melhor. Assim não pareço um louco a resmungar sozinho pelos cantos. Estou acompanhado, por uma bela guria. E por vinho, ah, como eu gosto de vinho.

- Como sem ter o que escrever? Eu vivo disso, eu sou pago para isso. Então quer dizer que agora não tenho como viver nem pagar minhas contas.

- Não é isso, o problema é que você não se concentra e está muito exigente. Seus textos já foram bem melhores e os assuntos bem mais simples. Se tentar enfeitar muito dá errado. Ou se tentar falar alguma coisa que você não sabe, pior ainda.

- Então quer dizer que devo escrever só sobre algo que sei?

- É o que se espera, não? Ou você quer dissertar sobre a vida das algas marinhas no oceano índico?

- Não, nem sei se tem alga marinha lá.

- Então pronto. Fale sobre o que você sabe.

- Eu não sei de nada. Nem nada sei. Ou melhor, só sei que nada sei. Não foi Sócrates quem disse isso? Aí, ó, também não sei. Céus, que desgraça.

- Então fala sobre amor. Amor sempre dá certo.

Agora ela me vem com esse papo de amor. Até parece. Ainda mais dizer que sempre dá certo. Tem vezes que nem dar dá.

- Não sei falar sobre amor e se eu não sei, não tenho como escrever. Além do mais, puta assunto batido. Quantos não são os que falam de amor? Qualquer música sertaneja, qualquer propaganda de desodorante.

- Propagandas de desodorante não falam sobre amor. Falam mais sobre pegação, instintos animais e tal. Por que você não fala sobre a natureza?

- Impossível. Já nem tem mais natureza por aí. Estão acabando com tudo.

- Impossível é você, pelo que eu estou percebendo. Se você preferir, fique quieto. Melhor assim, para evitar falar besteiras.

- Você acha que eu falo muita besteira?

- Um pouco.

- Então posso continuar falando até que você ache que eu fale muita?

- Não.

Depois dessa, calei a boca, terminei meu vinho e fui dormir. Não dá pra discutir com ela.