domingo, 9 de janeiro de 2011

Ensina-me a viver...

Precisamos de dias e mais dias de chuva para apreciarmos um raio de sol. Precisamos da falta de papel e caneta para termos uma ideia fabulosa. Precisamos de notas desafinadas para ouvirmos uma melodia. De sabores fortes para percebermos um doce aroma. Do cheiro da fumaça que nos intoxica para sentir o da grama fresca. Das desgraças dos noticiários para aproveitarmos um abraço. E da morte para valorizarmos a vida.

Harold é um jovem de 19 anos, que vive encenando formas de morrer para chamar a atenção de sua mãe. Esta, por sua vez, está sempre ocupada - e nos últimos dias sua maior preocupação é encontrar uma moça para se casar com o filho.

Maudi é uma excêntrica velhinha que mora em uma casa repleta de quinquilharias "emprestadas". Nada a pertence - apenas a data de sua morte e um imenso amor pela vida.

Ambos são personagens de Ensina-me a viver, de Colin Higgins, agora em temporada popular (R$ 15 a meia) no Teatro das Artes. A obra é uma adaptação do filme homônimo, sucesso nos anos 70 e tem direção de João Falcão. Ela estreiou em São Paulo em 2007 e no ano seguinte ganhou o Prêmio APTR em Melhor Produção.

Com uma trilha sonora descolada (que inclui Beirut, por exemplo), a peça é um prato cheio para os olhos e, porque não (perdoem-me pelo clichê), para a alma. Seus efeitos luminosos, sua cenografia quase onírica, seu roteiro repleto de frases simples mas profundas e suas atuações incríveis a enchem de momentos encantadores. Daqueles que são capazes de colocar um doce sorriso junto a uma pequena lágrima no rosto da plateia.

Sombra e luz. Velho e novo. Morte e vida. Dicotomia. Ela, que permeia toda a obra, é o que explica a atração de Harold, interpretado por Arlindo Lopez, por Maudi, vivida por Glória Menezes. Afinal, enquanto um já havia morrido 17 vezes - logo em sua primeira cena aparece enforcado - não encontrando sentido em viver; a outra sabe que a morte se aproxima, então aproveita ao máximo os dias que lhe restam. Máximo com o mínimo. Poesia.

- Vale a pena, eu garanto - diz Maudi, sobre a vida.

Digo o mesmo sobre a peça.