sábado, 31 de janeiro de 2009

Quadrilha

João amava Teresa. Amava mesmo, de amor tão amado que chegava a matar. Ela era uma magricela que só não engordava de ruindade, e ele um gorducho que sempre sujava o bigode quando bebia cerveja.

Um dia Teresa estava no bar do João, que ficava ali, na esquina, quando encontrou Raimundo - que era bem arrumado e que gostava é de (o) poder. O coração bateu mais forte, as pernas balancearam, os olhos se fixaram nele e o estômago ficou gelado quando passou por perto do rapaz.

Mais gelado ficou o coração de Teresa quando viu que, atrás dele, vinha uma moça de vestido vermelho e flores brancas - era Maria, triste que só vendo.

Triste, mas foi quando olhou para atrás do balcão que a moça que acompanhava Raimundo abriu um sorriso. Um sorriso de encher os olhos de esperança e felicidade.

Era Joaquim, o garçom. Moço simpático, mas que já se cansava de tanto tentar convencer Lili para sair pro forró.

Lili era amarga e só pensava no trabalho - em limpar as mesas, fazendo, com isso, a noite passar. Carregava sempre um pano de prato em cima do ombro e nos pés um sapato gasto de tanto correr pelo salão - era copo que caía, álcool que se espalhava pelo chão, migalha pelas mesas, lágrimas no balcão...


Um dia, João, o dono do bar, recebeu uma proposta de um gringo sério e de paletó. Era pegar ou largar. E se pegasse, largava o bar. Se largasse, pegava o triste destino de sempre ver Teresa se derretendo por Raimundo.

Pegou. Foi para os Estados Unidos. Não sabia falar inglês, mas o serviço era bom e ele ganhava em dólares.

Teresa não tinha mais para quem fazer ciúmes. Sem o bar do João, mal via Raimundo. Ficou tão, mas tão desolada que pedia a Deus todos os dias João de volta - para voltar com o ponto de encontro do acaso que a fazia ver Raimundo.

Rezou, rezou e se apaixonou por aquele que todos dizem ser mais que poderoso, capaz dos milagres e de fazer graças alcançadas. Foi dormir para sempre na casa dele. Um convento, com outras irmãs.

Já que a sede de cerveja do Raimundo não podia mais ser matada, resolveu acabar com aquela sede de poder. Começou a ganhar dinheiro numa coisa que a mãe dele não soube explicar, até o dia que perdeu tudo. Até a vida.

A Maria viu que não tinha jeito. Melhor era cuidar dos sobrinhos. E eles eram umas crianças tão lindinhas que resolveu ficar assim mesmo, para sempre para titia (às vezes ela saía por aí, com a vontade de voltar a ter no rosto o sorriso de esperança).

Um dia de desespero desesperador e de dívidas no pescoço, Joaquim se suicidou. Não tinha mais emprego nem mais a felicidade que o bar trazia - já não tinha a alegria de tentar conseguir o coração de Lili - ele, pelo menos, tinha a certeza de que o coração não iria para mais ninguém.

Certeza essa que o destino tratou de mudar, quando Lili se casou com um tal de J. Pinto Fernandes que nem entrado na história tinha.

Aliás, quem é esse J. Pinto Fernandes?

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ida-Vindas

Filmes colocam qualquer um que seja em qualquer outra realidade - ou em uma realidade qualquer. Inevitavelmente.

Alguns, transportam seus personagens para dentro de quem assiste. Incrivelmente.

Fui para Barcelona.
Veio Cristina.
Veio Vicky.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Pílulas Concepcionais

Delas poderiam surgir muitas outras vidas a pularem. Mas aí, colocou-se um "anti" na frente e a chance se escafedeu.

Francês
mon amour é para ser dito logo depois de um bonjour

Pinguins (sem trema, ai!)
na minha geladeira não tem. E na sua? (nem os com trema)

Endless Love
um cheiro uma fragrância o toque macio tudo azul... é só um creminho, minha gente, nada mais de poesia

Tarefas Domésticas
é preferível arrumar a mesa a arrumar a cama. Essa segunda é melhor desarrumar

Cortinas
ganhou privacidade, um esconderijo, um quarto maior (não precisou se trocar atrás da porta do armário). Perdeu vizinhos voyeuristas

Sonho Limpo
dormi dentro da máquina de lavar, tamanho era o cheiro de Omo

Tempo Perdido
nunca perdia as horas. Sempre perdia o relógio

Visão
o problema com os óculos, eternamente sujos, era o seguinte: ou via tudo nítido mas com cores mais apagadas, ou via tudo colorido mas com contornos mal delineados. Optava pelas cores

sábado, 3 de janeiro de 2009

Livros e Vendedores

O livro era aquele: Stardust. Quando o viu pela estante, na hora, pensou que seria o presente ideal para ele.

Há tempos que tinham conversado sobre Sandman e os quadrinhos de Neil Gaiman. E ele perguntado a ela sobre a outra história do autor, aquela em que as pessoas passam através de uma fenda e chegam em outro mundo.

- Stardust?

- Esse mesmo. Então eu só vi o filme, você já leu?

- Li, sim.

Entrou na livraria, procurou uma vendedora e pediu.

- Então, sabe, é que eu vou comprar pro meu namorado... É presente de Natal. Você viu a chuva que está lá fora? Vim a pé e me molhei inteira. Olha o que eu não faço por ele...

- Sério? E desde quando vocês namoram? - perguntou a vendedora enquanto indicava a estante de auto-ajuda para uma cliente de cabelos desgrenhados e ia em direção ao caixa. - Olha, pode pagar aqui, que eu já embrulharei para presente.

- Na verdade... Ah, obrigada.

Reparou que a moça nem havia esperado a reposta do tempo de namoro. Não fazia questão. A loja estava movimentadíssima, o que impedia uma vendedora curiosa de saber sobre os relacionamentos amorosos de suas clientes e demonstrava que as pessoas aumentavam as compras de livros - mesmo em momentos de crise (talvez para isso sirvam as crises, para deixá-las em casa munidas de bons livros enquanto não passa). Pagou, e foi direto retirar a embalagem.

- Aqui está. Então, você não me respondeu, há quanto tempo estão juntos?

- Faz pouco tempo. Pouquíssimo, aliás. Quero dizer, juntos estamos há muito tempo... Uns dois anos, até. Mas namoro-namoro, só agora.

- Nossa, bacana. Qualquer dia vem para cá com ele, para que ele conte se gostou do presente. E espero que não esteja chovendo!

Pouco tempo... Saiu da loja pensando em como ela era precipitada. Eles demoraram tanto para se definir que foi só decidirem namorar para ela sair comprando presente? Ah, não tem importância. Ele vai gostar.

Se encontraram na mesma noite, e o presente ficou na bolsa. Depois, no fim de semana, saíram. O presente, na bolsa. Vários dias se passaram, o Natal passou e o presente... na bolsa. O presente se foi, chegou-se ao futuro, virou passado e o presente? Na bolsa.

- Você comprou e nem vai dar? - diziam as amigas. - Deixa de ser besta, entrega logo o livro pra ele!

Não entregou. Passou o réveillon, viu que o Natal já estava longe, e a chance mais longe ainda - perdera-se no tempo. Ele não dera nada para ela. Ela também não ia dar. Imagine o que ele ia pensar? Que era uma doida, louca, apaixonada...

Decidiu trocar: há dias via uns livros que queria. Aliás, encontrar livros que queria não era difícil para ela.

- Ai, espero que não encontre a vendedora. Pensa, ela me pergunta do namorado e eu venho dizendo que vim trocar o livro?

- É só você dizer que ele não gostou... - disse a amiga que a acompanhava.

- Eu sei, mas sabe, sei lá.

Com os livros escolhidos, foi em direção ao caixa.

- Então, você antes tem que passar por um vendedor...

Se dirigiu a uma funcionária da loja que disse a mesma coisa e completou com "aqui é o caixa". Encontrou um vendedor. O livro, perdido na imensidão de sua bolsa, quase não saía. Estava acostumado com a escuridão. Nervosa, entregou o pacote, ainda embrulhado.

- Ai, olha só, está até no embrulho...

- Você tem cadastro na loja?

- Não, pode usar pelo da minha mãe. Ela que me deu, aliás.

Pronto. Inventara a desculpa que a mãe comprara e agora a filha devolvera. Esperava não encontrar a vendedora. Não podia encontrar a vendedora. Foi ao caixa, guiada pelo rapaz.

Lá não pôde realizar a troca. Algo dera errado. O moço do caixa chamou o seu superior, que perguntou se ela sabia qual vendedor a havia atendido. Não sabia, mas poderia identificá-lo facilmente.

O superior a acompanhou pela loja até que encontraram o vendedor. Sorte que não encontraram a vendedora. Ele tentou resolver o problema, mas nada. Chamou a gerente. Era gerente aquela mulher? Não sabia. Mas tinha um ar de irritada e resolvedora de problemas. Nada. Chamaram o CDB. Sejá lá o que isso seja. Nada também.

- Colocou o código certo? Imprimiu a nota? Não imprimiu? É problema da impressora? Você fez o procedimento adequado? Quem comprou esse livro? E vai trocar também? Por quê?

5 pessoas já haviam irtervido. Era a hora da vendedora aparecer. Mas se aparecesse, a história de que a mãe dera os quadrinhos para a filha ia por água abaixo. "Ah, sabe, eu que comprei mesmo, para dar para meu namorado, mas fiquei com vergonha de dizer para vocês que eu tive vergonha de entregar o livro para ele". Iam pensar que ela era uma envergonhada! Não podia acontecer.

Minutos se passaram dentro da loja. A amiga, pacientemente, observava tudo que acontecia. Uma senhora, perdida entre as estantes, brigava no celular. Um bebê chorava loucamente. Os funcionários, em polvorosa, tentavam resolver o problema da troca introcável. E uma música clássica ao fundo. Plena sintonia.

- Renata Cury. Cadê ela?

"Não pode ser a vendedora, ai meu Deus, que não seja a vendedora", pensava a menina.

- Quem é essa mulher? Você jogou os créditos para a Renata Cury! Por isso é que ela não consegue trocar! Pronto, agora está feito. Você tem cadastro na loja, né? Porque senão, dará problema no caixa. Não tem? Então faça. E desculpe todo esse transtorno. Tchau, queridas.

Problema resolvido, cadastro feito e uma certeza: da próxima vez seria menos precipitada. Ou então, deixaria a vergonha de lado. E passaria a contar menos da vida para vendedoras.