quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Segredo de Mundo



A história é simples. Uma menina de cabelo azul muda-se para um casarão de mais de 100 anos, cheio de portas, janelas e com algumas coisas azuis - totalmente sem graça.

Somado a isso, há o fato dela ter pais que muito se importam com o trabalho e pouco se importam com ela. Junte alguns vizinhos estranhos, uma portinha secreta escondida atrás do papel de parede, a curiosidade da menina e, voilá!, bem-vindo ao mundo secreto de Coraline.

O tédio da garota leva à descoberta de uma outra realidade, em que o paralelo com "Alice através do espelho" é, praticamente, inevitável.

Se, em sua nova-velha casa, Coraline (e não Caroline, já que nomes comuns pressupõem pessoas sem graça) não tem o que fazer - e tampouco o que comer - em seu avesso, ela será recebida por pais atenciosos (e com olhos de botões), cheiro de comida, ratos dançantes, jardim com formato de seu rosto e musical de velhas-novas vizinhas.

Tudo é mágico, tudo é diferente. Mas também trágico, quando se descobre a verdadeira história em que ela se meteu, envolvendo bonecas espiãs, crianças fantasmas e uma terrível Outra Mãe.

O conto vai crescendo e, seja pelo efeito 3D ou pelo cheiro de doce que eu sentia vindo das guloseimas do menino sentado ao meu lado, acaba envolvendo a todos.

Visualmente incrível, a produção feita em stop-motion e baseada nos quadrinhos de Neil Gaiman, é capaz de levar adultos de volta aos sonhos de crianças, e as crianças às verdades dos adultos.

Com algumas passagens surreais, que, novamente, lembram o país maravilhoso de Alice, e cenas com um quê de assustador, o filme pode assustar os mais pequenos.

Sentada atrás de mim uma menininha, com óculos maiores que o próprio rosto, ansiava pelo primeiro filme no cinema. Os pais discorriam se colocá-la num 3D logo de cara não seria um trauma. Na saída, ela já não estava mais lá. Espero e acredito, que não. Impossível se traumatizar com Coraline.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Vida no Jardim

Rosa sempre se achou linda. Sempre se achou a única capaz de enfeitar vasos para namorados. Sempre. Desde que o Cravo brigara com ela, não tomou jeito. Sabia que a briga era por amor. E continuou despedaçando flores por aí.

Ela, ter se despedaçado? História. Tão boa estava que esperou que ele ficasse doente para visitá-lo. Pura maldade.

Ele, sempre tão culto e arrumado - com seu paletó engomado -, suas pétalas bem passadas, sempre tão bem penteado, era um coitado. Achava que o Girassol, realmente, aproveitava-se das circunstâncias e da alto-estima da Rosa, em uma tentativa de se envolver com a moça.

Claro, o Girassol era a sensação do jardim (que incrivelmente misturava os mais diversos tipos de flores: da mais egoísta a mais alegre). Ele, robusto, bonitão, fazia a cabeça das meninas, que sempre se colocavam a discutir com qual, finalmente, ele se casaria.

Margarida era enfática: bonachona, e sabedora da cultura florística do local, tinha uma opinião formada e a certeza - Girassol ficará com Jasmim, linda, cheirosa, delicada.

Em uma dessas tardes de verão, em que a chuva ameaçava molhar e regar os habitantes daquele quintal, Margarida discutia fervorosamente com o Hibisco a situação romântica dos vizinhos.

Eles, literalmente plantados, nunca teriam a vantagem de poderem mudar de casa. O máximo que poderia acontecer é um ir para um vaso azul, outro para as mãos de alguma apaixonada, ou ainda, algum ser envolvido por papel de seda amarelo. Então discutiam a vida alheia, próxima.

Com isso, viviam na tentativa de se contentar com os raios solares e os dias aos quais lhes haviam sido destinados.

Hibisco era um rapaz que sempre gostara das grandes pétalas. Sempre vistoso, queria chamar atenção. Orgulhava-se do dia em que dois desavisados, pensavam que ele era uma flor. Uma flor brega. "Me acharam que assim fosse eu: delicada! Mulher! Ah, como eu queria...", pensava. Adorava Dona Margarida, por mais fofoqueira que ela fosse.

Talvez, inclusive, fosse a fofoca que o fazia sentir como uma dama. Uma dona. Uma dona da casa da qual ele nunca poderia se mudar. A dona do jardim.

Dona era Margarida, que sabia de tudo. Acordava alegre, pronta para animar a quieta da Violeta, que, com suas humildes palavras, se contentava em consolar as viúvas nas noites posteriores às tardes de brincadeiras das crianças pelo jardim - sempre uma ou outra pisoteava as flores, sem querer, atrás da bola. E era uma tristeza entre os moradores da terra fofa.

Foi naquele dia que Hibisco e Margarida, com a confirmação quieta de Violeta, decidiram: fariam da vida de todas as flores algo mais feliz. Brilhariam mais. Até daquela Couve-flor, largada, isolada, que em nada se parecia com as outras.

- Sabe, o que ela precisava era de um Girassol...

- Mas quem precisa do Girassol é a Jasmim!

- Tem razão, para que ele pare de girar pelo sol e passe a girar por ela. Ele precisa sosssegar!

- Assim como a Rosa! Ela deve parar de tratar tão mal o Cravo, só porque um dia de mau-humor ele brigou com ela...

- Sabe, acho que os dois se resolvem, não acha, Violeta?

Violeta concordou. Ela sempre concordara.

- Margarida, e a Couve-flor.. você nunca fala dela!

- Também, olha lá, coitada, em um canto... Eita flor mais feia!

Não sabiam as flores, que dentre todas as flores, era ela capaz de mudar de casa. E ir do jardim para a panela, da panela para o prato, do prato para a boca, da boca para o estômago... E fazer alguma pessoa mais feliz, fazia da sua morte uma alegria para alguém.

- Vamos chamá-la para conversar com a gente!

- Não, ela me parece imersa em seus próprios pensamentos. Temos é que fazer algo que ajude a todos.

- Começaremos falando para o Girassol que a Jasmim está caidinha por ele. Até deixou umas pétalas na grama para ele. Depois, para a Rosa parar de se achar, diremos a ela que o Cravo está bem feliz sem ela.

- Depois podemos dar uma festa em comemoração aos casais, uma festança, podemos até chamar as flores do outro jardim. Ah! Adoro festas! Posso até trocar essas minhas pétalas, e então...

- Ahm... É... Er... Posso sugerir alguma coisa?

- Diga, Violeta! Finalmente você abriu esse seu miolo para falar alguma coisa!

- Porque vocês... não... param de falar dos outros? Para mim, parece ser a melhor coisa que vocês podem fazer por todos. É bem melhor. E menos irritante.

Hibisco e Margarida ficaram boquiabertos. Nunca imaginavam ouvir uma coisa dessas. Refletiram. E se calaram. Para sempre.

Violeta, não, às vezes põe-se a cantar. Pode reparar.

[personagens apareceram com a colaboração de um cara que vive pensando torto. 15.12]

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Aguados

Te pega desprevinida,
te molha inteira,
sem pudores.

deixa um riso no rosto
uma corrida no pé.

Envolve ele, você, ela, a outra, aquele,
de uma só vez.

Não distingüe: cai em todos.
Sem preconceitos.
Iguala o rico e o pobre,
o feio e o bonitão.

Estraga a chapinha da menina,
deixa tudo ao natural.

Expõe a pele embaixo de roupa branca.
Faz abrir
os guarda-chuvas.

Alaga.
Inunda.
E nunca
é mala.

Afoga.
Chove.