quarta-feira, 10 de junho de 2009

Marrom-Vermelho

O céu estava vermelho como sempre. Foi-se o tempo em que os céus eram azuis ou cinzas. Aliás, aquela geração de crianças que agora comandava o pedaço de país a que estavam destinadas nunca haviam conhecido a cor azul.

Tomavam uma bebida gasosa, marrom, e se deliciavam após os arrotos. Os adultos apenas existiam para serem máquinas e os velhinhos eram todos jogados em casas com plantas murchas onde eram esquecidos.

Era um tempo difícil, muito difícil. A comida não era escassa, mas nada nutritiva. Sendo assim, crianças morriam desnutridas - as mesmas que sugavam pelas manhãs o líquido marrom-gasoso.

Em certos lugares de latas enferrujadas, um certo tipo de adulto tentava rabiscar algo em pedaços verdes das paredes. O lixo, também enferrujado e ao lado dos retângulos esverdeados, servia de alvo para as plaquinhas de metais atiradas pelas crianças.

Não tinha papel, e aliás, as palavras só chegavam aos interessados por meio de uma tela quadrada - que ficava preta ao apertar um botão - e que estava conectada a vários botões de letrinhas.

Cada vez que se apertavam os botões de letrinhas as mesmas iam aparecendo nas telas. Quem fazia isso eram outros tipos de adultos, que passavam o dia sentados nas cadeiras escutando um aparelho que falava as coisas que estavam acontecendo pelo mundo.

O mundo, com céu vermelho, também não tinha árvore. Animais tinha sim... Umas baratinhas que eram adestradas para divertirem as crianças em seus dias de stress. Inclusive, os adestradores de baratas eram pessoas perigosas, que se quisessem, poderiam formar um exército delas para atacar aqueles que passassem o dia em frente às telas.

Além dos adestradores de baratas, existiam outro tipos de pessoas perigosas. Eram os adestradores de balas. Não as docinhas não, as de chumbo, mesmo. Eles usavam um cano com um gatilho que ao ser apertado deixava o corpo das pessoas vermelho. Que nem o céu. O céu era vermelho.

Também tinha um outro tipo de adulto que passava todas as horas correndo. Corria do tempo, da polícia, dos quilos a mais. Corria tanto que seu rosto era deformado pelo vento contrário a sua direção. De tanta deformação, o adulto-corredor tinha que se submeter às plásticas - e então, encontrava-se com a adulta-plástica e tinham filhinhos.

Os meninos não bebiam leite materno. Bebiam líquido marrom-gasoso, desde sempre. Recebiam, quando iam para o latão enferrujado, latinhas de líquido marrom-gasoso. Alguns de tanto líquido-gasoso se tornavam bolhas de gás e saíam voando.

Voavam pelo céu vermelho.

Um comentário:

Maria Joana disse...

Lembrei de um filme. Vermelho como o Céu.
Bom.