domingo, 5 de outubro de 2008

Já Pode Votar!


Sem dúvida, foi a frase mais falada neste meu domingo de chuva e tempo abafado.

Dentro da sala do colégio, sentada na cadeira verde, na companhia de mais três sortudos, lá fui eu cumprir meu dever como cidadã de uma república democrática...


Efeito Manada
Se as pessoas agem em bando, ou se é a partir do movimento de um único indivíduo que todos decidem agir, a freqüencia e horários para se votar não poderiam ser diferentes.

Tudo bem, é extremamente compreensível se notamos o fato em um restaurante - cuja fila de espera aumenta instaneamente após você chegar o que o faz pensar, enquanto folheia o cardápio : "nossa, se eu tivesse vindo 5 minutos mais cedo, olha onde eu estaria...". Depois, sorri satisfeito em meio aos nomes de comida.

Mas em meio a "confirmações de votos", "bom dia", "aguarde um minutinho", "pode ir" e inúmeros números de títulos fica difícil administrar todos formando fila na porta.

Na verdade, difícil é administrar o marasmo quando não há uma mísera alma votante...


Café
Faltou café. De manhã tudo era novo, a chuva batia lá fora, deu para se distrair. Começo de conversa com os companheiros de seção, coincidências aqui e acolá.

Histórias, anedotas, fatos corriqueiros que juntavam diálogos quebrados entre um ou outro barulhinho de confirmação de voto.

Agora à tarde... é, aí o bicho pega. Depois do almoço, depois da chuva; vem o sono, vem o abafado.

As preces do meio-dia ("ah, chega de chegar gente!") são exageradamente atendidas. Nada. Nem um cafézinho.


Números
Nada de café, tudo de números.

"Falta quantos minutos?"

"Quantos já vieram?"

"Dita pra mim. Espera, 0094 ou 3340? Como?"

"Digita: 4559 3934 5... 5? Ou 6? 6 ou 3? Espera, não dá para ler. Começa de novo. Vai lá: quatro-cinco-cinco-nove.. é, nove. Então, três-nove... aham, nove de novo. Três-quatro. Não, não foram 3 noves. Nanão, está certo. É três-nove."

E eu que fui para humanas pensando em fugir das exatas...


Memória Fraca
Ok. Sempre achei essa história de "colinha" meio desnecessária quando se fala em apenas 2 cargos a serem eleitos.

Mas facilita. Ainda mais se você já está na linha dos idosos, ou se você tem uma criança pendurada no seu colo querendo apertar todos os números só para ver todos os candidatos e seus sorrisos amarelos.


"Manhê! Ô pai..."
Desde sempre votava com meus pais. Aproveitava as eleições para ver não só a cara dos mesários (e pensar como eles são velhos, grandes, simpáticos ou chatos), mas também dos candidatos. Ali mesmo: o nome, o número, o voto.

É bom para as crianças. Incentiva, faz com que gere uma alegria de domingo: "Votei. Ajudei nas eleições.". Insulfla o peito: "Agora sou grande!". Aumenta o ego: "Grande! Gente grande faz o que eu fiz!"

Ao serem perguntados se iriam votar muitos se escondiam. Diziam que não. Davam uma risadinha tímida. Mas saíam rindo, felizes da vida. Votei!

Uma menina, inclusive, veio chorando no colo do pai. Não tinha maneira de fazê-la se acalmar.

Devia ser o trauma após ver tantos políticos picaretas serem eleitos. Ela não queria participar daquela sujeira. Queria sair dali.

- Filha, vou votar neste, ok?

-NÃO!!!

Foi a única palavra que disse na sala, em meio às lagrimas. Uma revolucionária.


Nomes
- Pode ir, Lindinha.

Nada de vocativos carinhosos. O negócio ali era sério. Lindinha. Lindo nome, quer dizer, lindinho.

Devia ser um bebezinho lindo. Os pais, bem corujas. Namorados? Criativos. Lindinha já era nome. Docinho? Florzinha? Mas aí virariam as Meninas Superpoderosas. Complicado. Haja imaginação.

Sumária, mulher do Sumário e mãe do Índice. Sim, também estava lá. Só que não com a família.


Coincidências
Lucila entrou. Estava na urna, quando Lucila entrou - deu seu título. Lucila, também. Estava na porta.

-Lucila, pode ir.

Foram as três. Espera! É só a primeira.

- Lucila, a senhora pode esperar na porta.

- Mas não era para eu ir?

- Não, a senhora vai, e a senhora fica.

- Vai ou fica?

E dá-lhe abraços, Lucilas, coincidência, coincidência, coincidência. Votos de Lucilas.

As três resolveram vir no mesmo horário.

As três xarás do caderno.


Rostos e Perfumes
Pessoal perfumado. Mulherada se arrumava. Alguns vinham com cheiro de cigarro. Outras, com perfume francês.

317 pessoas entraram naquela sala. 317 histórias. 317 vidas.

Passaram rapidinho, deixaram o perfume no ar, o barulho do "confirma" nas urnas, e um "bom trabalho".

Alguns eram irônicos. Outros solidários.

A maioria agradecia de coração: antes nós do que eles.

- Espero não me encontrarem, que medo que me dá de me acharem e mandarem que eu fique no lugar de vocês... - disse uma mulher. Arrumadérrima para um domingo de eleições.


Ofegantes
- Nossa, essa rampa cansa demais! Imagina as crianças desse colégio? Devem ter músculos bem definidos e pernas bem torneadas!

Reclamação número 1, era quanto à rampa de entrada.

Elogio número 1:

- Nossa, está vazio!



Trocados
Confirmações trocadas, destacadas em hora errada, votos incertos, eleitores indecisos, pequenas confusões.

Nada muito grave. Era só pensar no Brasilzão que tínhamos um consolo.


Brasilzão
Votou. E você?

Na minha, mais de 80 eleitores não compareceram. E eu assinei no lugar deles. Assinei um "NC" - não compareceu.

Mesmo assim, uma senhora preocupada, perguntou-nos se a mãe dela, já de 90 anos, tinha como trocar o lugar do título para aquele colégio, ao invés de ter que ir até o Ipiranga.

Ter, tinha. Mas só para as próximas eleições.

- Mas ela quer tanto votar...

- Ela pode, mas aqui neste colégio não é possível. Tem que mudar para as próximas.

Espero daqui a 2 anos poder encontrá-la.

*

[Sim, ser mesária é um prato cheio de pessoas diferentes, preocupações iguais e números -única parte parte que é realmente chata!]

2 comentários:

Maria Joana disse...

Ah! Adorei a menina revolucionária! Lembro de uma eleição só quando era pequena, de papel ainda, e a gente ia pra Santos votar - eu pedia pra colocar o papelzinho na urna. Engraçado. A única parte interessante do meu dia hoje foi quando saí pra votar - tive de atravessar um feira, o que foi uma delícia, porque comi fruta de graça! Acho que apesar do números e não café, meu dia até poderia ter sido menos tedioso se eu fosse mesária.

Anônimo disse...

fala sério que a parte mais legal do dia foi ver meu sorriso de orelha a orelha te atrapalhando lá na porta!
adorei o texto, como sempre...