domingo, 17 de agosto de 2008

Esquizofrenias Divagadas


-Oi, tudo bem?

-Oi... Boa noite!

Sim, conversas de elevador são realmente estranhas - isso quando não envolvem óbvias análises metereológicas.

O acontecemento foi o seguinte: eu voltava sozinha da garagem, perdida em pensamentos dentro do cubículo quando ele entrou para subir apenas uns dois ou três andares. Sim, dois ou três andares: uma injustiça. E não só para mim.

Por que injusto? Três são as razões: primeiro, injustiça com as pobres pernas flácidas dele, por deixá-las imóveis para evitar alguns lances de escadas. Segundo, com o próprio elevador, que passou a trabalhar gaguejando pelos andares. Terceiro, uma injustiça
temporal - sim, encontros como esse são curtos o bastante para que se possa desenrolar qualquer diálogo, mas ao mesmo tempo longos demais para que se pare apenas no "oi, tudo bem boa noite bom dia tchau tá calor".

Como se não bastasse a injustiça, o simples fato dele me perguntar se tudo estava bem e eu responder com um esquizofrênico "Oi... Boa noite!" mostra que alguma coisa está errada. E não só comigo.


Eu simplesmente não respondi se tudo estava bem porque sabia que mesmo se não estivesse eu diria "Tudo, e com você?" e aí, além da tentativa de manter uma conversa frustrante para passar um tempo que nem deveria existir do jeito que é, estaria enganando a mim mesma e a ele - pobre coitado que encontraria uma mentirosa de elevador.


Tudo bem, eu entendo que a pergunta não passa de uma mera formalidade ou de uma singela forma de demonstrar educação, mas será mesmo necessária? Será que essa automatização das perguntas não apaga a espontaneidade - mágico instrumento capaz de criar situações ou diálogos surpreendentes no nosso cotidiano?


O verdadeiro problema, no entanto, não era a simples questão das perguntas à toa, mas sim do falso interesse para/com os outros. Tamanha é a vontade de se perder em seus próprios pensamentos (assim como eu estava antes do elevador parar e outro passageiro embarcar nessa) que as pessoas simplesmente não ouvem as respostas dadas para perguntas automáticas.

Não ouvem, por não estarem interessadas. E não estão interessadas por terem outros problemas mais relevantes a serem pensados.


Ok. Parece estranho exigir de um estranho a paciência para um desabafo desconhecido - ou não necessariamente um desabafo, mas apenas uma resposta do parecer individual daquele a quem se dirigiu a pergunta. Mas não, o problema não é nem esse. Não é uma carência de uma pobre coitada que não tem mais com o que se preocupar. É algo muito maior.


A partir do momento em que nossos atos passam a ser impensados e puramente mecânicos, suas conseqüencias simplesmente deixam de ser humanizadas - acaba-se com o mais puro e sincero gesto.
Se ao invés de ouvir, as pessoas preferem vomitar pensamentos egoístas ou perguntas para que se mantenha o mínimo padrão de "educação" e "respeito ao próximo" (leia-se: a sutil demonstração de interesse por como se encontra aquele com que se depara, para não parecermos egocêntricos), e sem perceberem, admitem diálogos esquizofrênicos, algo está errado. E não é apenas no elevador.

Aceitar, acomodar-se com uma resposta sem sentido, ou pior, simplesmente não ouvir nem perceber que a resposta não teve sentido são atos que caminham para um individualismo febril extremamente prejudicial. Repito: não só em um elevador.

Como pode-se viver em um mundo em que pessoas preocupam-se apenas em tentar sobreviver respeitando a rotina massacrante para que em um dia de folga, questione-se o que fará num futuro próximo sem perceber que aí encontra-se o futuro? Sem notar ele passando despercebido em meio a emails, contas e palavras?

Como? Ainda não sei. Só sei que se algum dia, perguntarem "Tudo bem?" uma coisa é certa: responda algo que pelo menos faça sentido, para que seus pensamentos perdidos não se transformem em uma divagação - para que eles não notem essa injustiça, não percebam essa incomunicabilidade, essa loucura avassaladora, nem essa esquizofrenia coletiva.


Ou não.

4 comentários:

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHA
OI DESABAFO:

"Aceitar, acomodar-se com uma resposta sem sentido, ou pior, simplesmente não ouvir nem perceber que a resposta não teve sentido são atos que caminham para um individualismo febril extremamente prejudicial."

P.S.: qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência...


NOOOOOOOOT

Renata disse...

ahahaha, adorei o texto!Mesmo!!
O seu discurso revoltado sobre o papo de elevador foi genial!
Acho que todos nos sentimos assim e não sei porque raios as pessoas ainda insistem nisso!

Clara disse...

nossa, allice, se você pensou isso tudo durante uns segundinhos no elevador, não venha depois me falar que seu fim de semana não foi produtivo!!!

isso daí já vale pelo fim de semana inteiro!

(e me faz lembrar da aula do Ciro e do processo da comunicação ;])

:*

Marina disse...

oi, tudo bom?
;D