sábado, 23 de agosto de 2008

Espera


Reclamava da falta de olhos nos olhos mas desviava os seus sempre que se sentia incomodada. Nunca se sabe: o estranho que a olhava poderia roubar sua alma, entrar em seus pensamentos, descobrir seus segredos... Na verdade, nem ela era capaz disso.

Quase não sabia seus próprios segredos. Raramente entendia seus próprios pensamentos. Sua alma, perdida, era um poço infinito. Não era medo de ser exposta. Era pura covardia. E egoísmo - vai que ele descubra coisas que ela nunca antes descobrira?!

Não tinha paciência. Queria tudo agora, neste instante, sem desperdícios ou demoras. Não suportava a solidão. Se sabia que alguém estaria a caminho, os segundos a sós se tornavam minutos, milênios.

Ligava. Mexia inutilmente no celular, apertava os botões, revia mensagens antigas, apagava as inúteis. Onde você está? Olhava ao redor na esperança de encontrar alguém chegando, pequeno, distante. Mal conseguia enxergar - maldita miopia!

Odiava a espera, o tempo que parecia lentamente desnecessário, perdido, desperdiçado. Odiava sentir-se sozinha. Era uma dependente independente. Pseudo auto-suficiente. Queria saber de todos, possuí-los, para que pudessem completá-la. Reclamava da falta de privacidade mas se expunha na Internet, em blogs, orkuts, palavras virtuais, verdadeiras.


Exigia seu espaço, enquanto usava também o dos outros (as mãos sempre serviam como complemento da fala que não se bastava. Suas palavras não eram suficientes por isso uniam-se a elas gestos italianamente exagerados).

Via o céu parado em seu imenso azul. Um pássaro perdido rasgando-o. O relógio e seus ponteiros. As horas. As folhas amarelas voando.


Pensava em si mesma. Pensava nos amigos, nos passantes, no passado. Ouvia conversas alheias de uma roda de pessoas felizes, despreocupadas (pelo menos assim pareciam). Vou conversar com elas. Sentada, não queria sair do lugar. Tinha preguiça, mas as pernas, inquietas, balançavam de um lado para o outro. Seus pés não tocavam o chão.

Em meio a tantas coisas nesse vácuo da espera, finalmente, sentiu o aconchego da voz conhecida. Um sussurro (para não assustá-la na volta para a realidade de fora de sua cabeça) enchera seu corpo de alegria. Eram palavras magicamente comuns, capazes de fazer seu dia:

-Cheguei. Demorei muito?



Um comentário:

Anônimo disse...

hum... no mínimo estranho...
será que depois do travessão não deveria ser:
-Llegué. Tarde mucho?