segunda-feira, 16 de junho de 2008

Podre Perfumado


O mundo ao avesso expõe suas vísceras banhadas de sangue. Crianças desaparecem - roubadas, mortas, subnutridas. A infância evapora na tentativa prematura de fazer com que existam pequenos adultos, trabalhando, cobrindo rostos pueris com maquiagens ou pés número 28 com grandes sapatos que lembram a figura de um palhaço.

O circo pega fogo e não há bombeiros decentes capazes de apagá-lo: estão todos deitados, dormindo, embriagados com copos na mão frouxa. Copos que caem, e em cacos cortam os pés do menino malabarista do farol.

A política diz ser feita – mãos gordurosas sedentas pelo poder a comandam. Mãos corruptas capazes de, em uma dança hipócrita e repugnante, aclamar ao povo como são boas. Acariciam almas perdidas na sujeira debaixo dos viadutos.

A bala abruptamente rompe o silêncio. Rasga vidas e famílias. Famílias, aliás, inexistentes, pseudofamílias – fachadas sem comunicação. Pessoas não mais conversam, são isoladas individualmente em gaiolas de medos, obsessões, transtornos, pílulas, crenças individualistas, aparelhos de academias, bisturis e pinças.

O riso nervoso se confunde com a música gritante do caos das buzinas. O cheiro fedido do rio é como suco de cadáver da notícia dada no jornal popular (fédivé!). Vincos são formados em rostos aflitos. Rostos nervosos. Rabugentos, jovens tornam-se velhos. Esquecidos, velhos voltam a ser crianças. Crianças, estas, adultas. E os adultos, perdidos, orquestram a desordem.

Amigos não mais se encontram. Corações são dilacerados. Sonhos, rasgados e almas, comprimidas em vidrinhos etiquetados e, não podemos nos esquecer!, com códigos de barra. Ilusões viram loucuras. Relógios tictateiam. Mentes são ocupadas com preocupações. Pontos de interrogação terminam todas as frases.

Em meio a tudo isso, somos capazes de, com gosto, dizer como a vida é bela. Como ainda há esperança. Afirmar que nem tudo está acabado. Levantamos para mais um dia. Sorrimos ao sentir o cheiro do café prontinho. Abraçamos os conhecidos. Pedimos pizzas de frango com catupiry e programamos o carnaval. Reclamamos da pasta de dente que não foi fechada. Trocamos lâmpadas e fazemos disto uma aventura. Vivemos, vivemos, e vivemos. Como?


4 comentários:

Renata disse...

Lindo texto, me fez pensar muito sobre mim e o meu reflexo no mundo. Acho que com certeza esse éo efeito que causará em todos que lerão (o que é ótimo...)
Parabéns (:

Maria Joana disse...

é, eu concordo com o Fontes: você escreve muito bem.
Detalhe: só consegui parar de ler o blog depois que cheguei na parte que já tinha lido anteriormente (uns 5 posts atrás). E adorei trocomfigurinhas por brownies da Carol.
Detalhe nº 2: está difícil de digitar depois da aula do Santoro no Rei das Batidas.
Detalhe nº 3: se eu for citar aqui tudo que gostei dos vários posts, esse comentário ficaria asuramente grande.

Beijo

Anônimo disse...

SUBLIME!

Unknown disse...

(silêncio)
acho que isso é o que melhor traduz o que eu senti lendo o texto...
e devo dizer que eu o lia enquanto ouvia a Nina Simone cantando alguma música cujo nome eu não sei, e o efeito foi bem intenso...