sexta-feira, 13 de junho de 2008

Drive-Thru

(I)
-Um quarteirão, por favor.

-Para beber?

-Suco de maracujá.

-Algo para acompanhamento?

-Um amor de verdade que não ronque a noite; saiba cantar (pode ser no chuveiro); dance sem preconceitos; seja engraçado (mas não bobo); possua inteligência e saiba usá-la; não reclame de coisas à toa; cozinhe tão bem quanto a minha avó; fique bem humorado mesmo ao acordar cedo; abrace-me com freqüência (mas sem que eu tenha que pedir); goste de discos e livros; sonhe em dar a volta ao mundo; queira conhecer Bangladesh; tenha diploma universitário, carteira de motorista, dentes brancos de não-fumante, um filhote de labrador como bicho de estimação e uma família cheia de primos; goste de andar na praia com os pés na beira do mar; entenda minha TPM; brinque com as crianças do vizinho, mas não me troque por um video-game; passe sua própria roupa e que abaixe a tampa da privada.

-Desculpe moça, mas aqui é só o McDonald´s.

Saiu desiludida e besta com o que acabara de falar. Claro que aquilo era só o McDonald´s. O máximo que eles poderiam oferecer era um palhaço ridículo de cabelo vermelho e roupas amarelas. Pegou seu pacote, pagou, e resolveu ir para casa naquela noite vazia.


(II)
-Me vê um big mac.

-O número 1?

-Não, só com uma coca grande.

-Mas e para acompanhar?

-Alguém que não tenha dores de cabeça freqüente; faça caminhadas e trilhas; possua uma família não muito grande (incluindo tias não muito chatas e mãe agradabilíssima); goste de viajar; acampe sem medo de mosquitos; assuma suas responsabilidades; sinta ciúmes ao me ver com a secretária; entenda meu futebol às 4as e aos sábados; aprecie um churrasco; beba cerveja bem gelada; não peça só salada nos restaurantes; leia livros que não sejam de auto-ajuda; escute uma boa música junto com um vinho; faça macarrão que nem a minha mãe; trabalhe -mas nem tanto; tenha senso de direção, decote, simacol, mãos delicadas, meiguice, sorrisos pela manhã, bunda, sensatez; e não tenha muita vergonha, monólogos agudos, falas óbvias e fúteis ou grande compulsão por comprar; goste de nadar no mar sem pensar em tubarões; assine um jornal; beba café; não seja escandalosa a toa e que não pendure a calcinha no chuveiro.

-Senhor, aqui é só o McDonald´s...

Ele sabia. Sabia que era só o McDonald´s e se irritava com a obviedade que a atendente acabara de falar. Po, era só um desabafo. Até quando as pessoas não entenderiam as ironias? Até quando as perguntas mal feitas deveriam ter respostas diretas? Ela perguntou o que ele queria para acompanhar e ele disse. Ponto. Decidiu que melhor seria voltar para casa. E passar a pilha de roupa que o aguardava.

(III)

Entraram no hall e perceberam que os dois carregavam o mesmo pacote do McDonald´s. Olharam um para o outro. Deram um sorriso tímido. Era uma sexta feira sem graça, daquelas em que os amigos esquecem de combinar algo para se fazer depois do incessante dia de trabalho. Talvez por causa da correria da semana, dos inúmeros projetos, textos, deveres a serem entregues. Talvez por que os astros entraram em acordo para que fosse o dia-de-ficar-em-casa-vendo-tv-e-comendo-mcdonalds.

Ela começou a procurar sua chave na imensidão de sua bolsa sem fundo. Ele parou para observar. Nunca tinham se falado – caso haviam, os diálogos, provavelmente, não passavam do educado “bom dia, boa noite” ou da conversa-tema de elevador: “é, parece que vai esfriar”, “calor, né”, “ih, vai chover...”.

-Quer ajuda?

-Não, não...já estou quase conseguindo achar a chave...ah, está aqui.

-Você gosta de acampar? –perguntou ao notar que o chaveiro da moça era um pequeno canivete suíço.

-Gosto, quer dizer, gostava, sempre ia quando era mais jovem, adoro viajar. Por mim conheceria o mundo só com uma mochila nas costas.

-Iria até para Bangladesh?

-Lógico! Sempre quis ir pra Bangladesh. Nossa, por que você falou em Bangladesh?

-Que engraçado, eu não sei porquê, mas também gostaria de ir para lá. Estranho. Achei que fosse o único.

-Ahm...Sabe de uma coisa, você está com vontade mesmo de comer esse seu sanduíche-de-gordura-trans? Assim, porque pensando bem, eu agora perdi a vontade do meu quarteirão...queria fazer um macarrão. Tenho uma receita muito boa, aliás, eu cozinho bem...se você quisesse, a gente..

-Eu..eu tenho uma garrafa de vinho lá em casa, nós poderíamos também beber...

-Se você preferir, pode ser na sua casa. Quer dizer, eu pego os ingredientes aqui e levo.

-Eu tenho algumas coisas também, eu gosto de cozinhar. Provavelmente você não precisa de nenhum ingrediente muito raro, alguma especiaria da índia da época de Cabral, ou algo do gênero, precisa?

-Não, não. Se bem que, é melhor ser em casa mesmo. Depois suas panelas vão ficar sujas, e...ah, essa não é minha intenção.

- Você é que sabe. Na sua casa ou na minha?

Eles pararam por um instante. Olharam-se novamente. Riram. E decidiram.

Engraçado como os caminhos se cruzam, como coincidências acontecem e como situações inesperadas podem alegrar uma semana que caíra na rotina. Engraçado como um momento qualquer pode definir os dias seguintes. Ela descobriu alguém que abaixava a tampa da privada. Ele, alguém que não pendurava as calcinhas no chuveiro. E os dois, algo que nunca haviam descoberto.

9 comentários:

Tulio Bucchioni disse...

Olha que pra uma jornalista você seria uma grande cineasta! Allice, isso é um roteiro de filme! Eu vi a cena! SENSACIONAL!

Ah...será que tds esperamos a msm coisa? mas se sim, pq td demora tanto a acontecer?
Bom, dúvidas a parte, uma coisa é certa: a sua sensibilidade e talento são superiores a qlquer coisa!
Bjoooo

Fontes disse...

Isso me lembrou um texto do Veríssimo.

E a atendente do McDonald's deve ter voltado pra casa achando o mundo muito maluco naquele dia.

História bonita.

Anônimo disse...

genial!
teu talento me impressiona mais a cada dia!

Beijos,
H2C-CH3
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OH

Anônimo disse...

opa! minha hidroxila ficou deslocada!
H2C-CH3
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OH , prontinho!

Anônimo disse...

eita porra... acabo de descobrir que eu não tenho controle sobre ela!
haha abstrai!

Clara disse...

ui, tem gente que está no clima do dia dos namorados ainda, heim???
hihihihihihih ;p

Anônimo disse...

Alice!!!
Muito bonito mesmo! Gostei muito. Ficaria perfeito se você trabalhasse um pouco mais o final... Deixasse alguma coisa no ar, sabe?
Conto é assim... Tem que ir modificando conforme vc se afasta do texto. Mas arrasou!!! Me surpreendi. Parabéns.

Beijoca

Unknown disse...

Olhaa a Alice!
Pra alguém que um dia me disse que não escrevia muito bem, você até que se sai bem hein? Então pára de reclamar e vai escrever mais! huhahua
Sério, ficou muito bom o texto e ele foi até recomendado (pelo Tulio, haha)
Beijos

Unknown disse...

alice a carol acaba d ler o seu texto foda! serio, vc manda mtoooo bem! vou comecar a frequentar seu blog haha! beijooos