domingo, 5 de abril de 2009

Trilha Sonora

Quando o inverno chegar, eu quero estar junto a ti. Pode o outono voltar, eu quero estar junto a ti. Todo feliz, ele ia cantarolando Tim Maia no caminho de volta à casa. Depois de um dia de trabalho seguido por aulas, cansado, tinha que andar por várias ruas até chegar ao seu destino final. Não era problema. Tinha na melodia uma bela companhia.

Logo após entrar em sua rua, percebeu que a vizinha, desde o portão, exaltada, o chamava.

-Você soube do seu tio?

O menino, que tinha uns 15 anos, sabia bem do seu tio Eustáquio, de 39, internado, por problemas no fígado. Sempre bebera. Apesar de receber milhares de conselhos para que parasse com o vício, nunca dera ouvidos. Nem mesmo quando a doença se agravou: insistia na companhia etílica, enquanto desistia da companhia de dona Iracema - que mesmo depois de anos namorando, nunca conseguira convencê-lo de se casarem. Ele era teimoso, mas adorava o sobrinho. Ela esperançosa, e sempre comprava balas para o menino.

- O que aconteceu? - disse, enquanto pensava nos versos seguintes de Primavera.

- Morreu.

Assim mesmo, seca, soltou o acontecimento do dia que pairava sobre a vizinhança. A música parou. As imagens do tio, como em flashbacks, atingiram sua mente. Aquela música nunca mais seria a mesma.

Anos depois - muitos, diga-se de passagem - a voz do Tim Maia invadiu o carro que dirigia. Com sua filha ao lado, lembrou-se do episódio.

Engraçado como que músicas acompanham momentos de nossas vidas e marcam para sempre situações.

Não tem jeito. Algumas inexoravelmente estarão atreladas às passagens fortes em que foram ouvidas. Ou nem precisam ser passagens tão fortes assim.

Em um feriado chuvoso, na praia, lá estava eu - escrevendo. Não sozinha, acompanhada por uma grande amiga, e a letra de I Will Survive nunca mais foi a mesma. Um fim-de-semana no sítio e Pedra Letícia nunca mais será a mesma.

Até Maria Chiquinha me faz lembrar um certo karaokê de quando pequena. Nunca mais é a mesma. Claro que Dancin´Days lembra outro karaokê de quando mais grande - só que ainda pequena. Aliás, karaokês marcam noites e músicas. Cantar marca noites e músicas. Mesmo que cantemos tudo errado - e Dig-Dig-Joy sempre virá com um caubói.

Tem também as músicas que marcam épocas. Não vou falar da MPB e a ditadura. Não me marcou com tanta intensidade assim. Mas se ouvir Cartomante inevitavelmente lembrarei da minha mãe, emocionada, lembrando do tempo em que corria dos cavalos em plenas passeatas de São Paulo, lembrando das amizades que perdera para nunca mais.

Para mim, as épocas são mais singelas. Menores, claro. Mas não de menos importância. Mais fácil: época são fases. E das mais variadas, incluindo, sem ter porque esconder, bandinhas de punk-rock, micareteiros ou até Boate Azul. Não, meu passado não me condena. Apenas me faz rir. Isso é bom.

Há ainda as músicas que lembram pessoas. Marvin, por exemplo, para mim é um nome de peixinho laranja - e então a música me faz lembrar seu dono. Não tem jeito. Sem contar aquelas que se ouve ao lado de alguém. Ou de alguéns. Pronto. Ficarão marcadas.

Se alguém quiser dar uma serventia às músicas, com certeza é embaralhar nossas vidas à arte. Não é a toa que em filmes sempre há trilhas sonoras. Para que agora, confusa, eu diga que elas formam nossa trilha sonora miscelânica. Única e especial.

Um comentário:

Aline Yukari disse...

Isso não quer dizer em nada que eu devo agradecê-la por conhecer Pedra Letícia por dias e dias seguidos! Francamente... tsc tsc tsc! ¬¬ (hehehe, eu gostei do que você escreveu, sim!)