Rosa sempre se achou linda. Sempre se achou a única capaz de enfeitar vasos para namorados. Sempre. Desde que o Cravo brigara com ela, não tomou jeito. Sabia que a briga era por amor. E continuou despedaçando flores por aí.
Ela, ter se despedaçado? História. Tão boa estava que esperou que ele ficasse doente para visitá-lo. Pura maldade.
Ele, sempre tão culto e arrumado - com seu paletó engomado -, suas pétalas bem passadas, sempre tão bem penteado, era um coitado. Achava que o Girassol, realmente, aproveitava-se das circunstâncias e da alto-estima da Rosa, em uma tentativa de se envolver com a moça.
Claro, o Girassol era a sensação do jardim (que incrivelmente misturava os mais diversos tipos de flores: da mais egoísta a mais alegre). Ele, robusto, bonitão, fazia a cabeça das meninas, que sempre se colocavam a discutir com qual, finalmente, ele se casaria.
Margarida era enfática: bonachona, e sabedora da cultura florística do local, tinha uma opinião formada e a certeza - Girassol ficará com Jasmim, linda, cheirosa, delicada.
Em uma dessas tardes de verão, em que a chuva ameaçava molhar e regar os habitantes daquele quintal, Margarida discutia fervorosamente com o Hibisco a situação romântica dos vizinhos.
Eles, literalmente plantados, nunca teriam a vantagem de poderem mudar de casa. O máximo que poderia acontecer é um ir para um vaso azul, outro para as mãos de alguma apaixonada, ou ainda, algum ser envolvido por papel de seda amarelo. Então discutiam a vida alheia, próxima.
Com isso, viviam na tentativa de se contentar com os raios solares e os dias aos quais lhes haviam sido destinados.
Hibisco era um rapaz que sempre gostara das grandes pétalas. Sempre vistoso, queria chamar atenção. Orgulhava-se do dia em que dois desavisados, pensavam que ele era uma flor. Uma flor brega. "Me acharam que assim fosse eu: delicada! Mulher! Ah, como eu queria...", pensava. Adorava Dona Margarida, por mais fofoqueira que ela fosse.
Talvez, inclusive, fosse a fofoca que o fazia sentir como uma dama. Uma dona. Uma dona da casa da qual ele nunca poderia se mudar. A dona do jardim.
Dona era Margarida, que sabia de tudo. Acordava alegre, pronta para animar a quieta da Violeta, que, com suas humildes palavras, se contentava em consolar as viúvas nas noites posteriores às tardes de brincadeiras das crianças pelo jardim - sempre uma ou outra pisoteava as flores, sem querer, atrás da bola. E era uma tristeza entre os moradores da terra fofa.
Foi naquele dia que Hibisco e Margarida, com a confirmação quieta de Violeta, decidiram: fariam da vida de todas as flores algo mais feliz. Brilhariam mais. Até daquela Couve-flor, largada, isolada, que em nada se parecia com as outras.
- Sabe, o que ela precisava era de um Girassol...
- Mas quem precisa do Girassol é a Jasmim!
- Tem razão, para que ele pare de girar pelo sol e passe a girar por ela. Ele precisa sosssegar!
- Assim como a Rosa! Ela deve parar de tratar tão mal o Cravo, só porque um dia de mau-humor ele brigou com ela...
- Sabe, acho que os dois se resolvem, não acha, Violeta?
Violeta concordou. Ela sempre concordara.
- Margarida, e a Couve-flor.. você nunca fala dela!
- Também, olha lá, coitada, em um canto... Eita flor mais feia!
Não sabiam as flores, que dentre todas as flores, era ela capaz de mudar de casa. E ir do jardim para a panela, da panela para o prato, do prato para a boca, da boca para o estômago... E fazer alguma pessoa mais feliz, fazia da sua morte uma alegria para alguém.
- Vamos chamá-la para conversar com a gente!
- Não, ela me parece imersa em seus próprios pensamentos. Temos é que fazer algo que ajude a todos.
- Começaremos falando para o Girassol que a Jasmim está caidinha por ele. Até deixou umas pétalas na grama para ele. Depois, para a Rosa parar de se achar, diremos a ela que o Cravo está bem feliz sem ela.
- Depois podemos dar uma festa em comemoração aos casais, uma festança, podemos até chamar as flores do outro jardim. Ah! Adoro festas! Posso até trocar essas minhas pétalas, e então...
- Ahm... É... Er... Posso sugerir alguma coisa?
- Diga, Violeta! Finalmente você abriu esse seu miolo para falar alguma coisa!
- Porque vocês... não... param de falar dos outros? Para mim, parece ser a melhor coisa que vocês podem fazer por todos. É bem melhor. E menos irritante.
Hibisco e Margarida ficaram boquiabertos. Nunca imaginavam ouvir uma coisa dessas. Refletiram. E se calaram. Para sempre.
Violeta, não, às vezes põe-se a cantar. Pode reparar.
[personagens apareceram com a colaboração de um cara que vive pensando torto. 15.12]
5 comentários:
deu vontadinha de quero mais essa vida no jardim...
=]
como você escreve gracioso... x)
acho tão bonito.
haha, gostei! Bem melhor que aquele rascunho no labri.
Obrigado pela citação, menina.
Estou meio bêbado e ouvindo Cartola.
Passeando pelos seus posts antigos, é a segunda vez que seu blog ajuda a mudar minha vida.
Quase dá para sentir o perfume das flores que vc traz nas palavras. Sua dose é sempre certa, entorpecente, deliciosa, viciante.
Postar um comentário