terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Vida no Jardim

Rosa sempre se achou linda. Sempre se achou a única capaz de enfeitar vasos para namorados. Sempre. Desde que o Cravo brigara com ela, não tomou jeito. Sabia que a briga era por amor. E continuou despedaçando flores por aí.

Ela, ter se despedaçado? História. Tão boa estava que esperou que ele ficasse doente para visitá-lo. Pura maldade.

Ele, sempre tão culto e arrumado - com seu paletó engomado -, suas pétalas bem passadas, sempre tão bem penteado, era um coitado. Achava que o Girassol, realmente, aproveitava-se das circunstâncias e da alto-estima da Rosa, em uma tentativa de se envolver com a moça.

Claro, o Girassol era a sensação do jardim (que incrivelmente misturava os mais diversos tipos de flores: da mais egoísta a mais alegre). Ele, robusto, bonitão, fazia a cabeça das meninas, que sempre se colocavam a discutir com qual, finalmente, ele se casaria.

Margarida era enfática: bonachona, e sabedora da cultura florística do local, tinha uma opinião formada e a certeza - Girassol ficará com Jasmim, linda, cheirosa, delicada.

Em uma dessas tardes de verão, em que a chuva ameaçava molhar e regar os habitantes daquele quintal, Margarida discutia fervorosamente com o Hibisco a situação romântica dos vizinhos.

Eles, literalmente plantados, nunca teriam a vantagem de poderem mudar de casa. O máximo que poderia acontecer é um ir para um vaso azul, outro para as mãos de alguma apaixonada, ou ainda, algum ser envolvido por papel de seda amarelo. Então discutiam a vida alheia, próxima.

Com isso, viviam na tentativa de se contentar com os raios solares e os dias aos quais lhes haviam sido destinados.

Hibisco era um rapaz que sempre gostara das grandes pétalas. Sempre vistoso, queria chamar atenção. Orgulhava-se do dia em que dois desavisados, pensavam que ele era uma flor. Uma flor brega. "Me acharam que assim fosse eu: delicada! Mulher! Ah, como eu queria...", pensava. Adorava Dona Margarida, por mais fofoqueira que ela fosse.

Talvez, inclusive, fosse a fofoca que o fazia sentir como uma dama. Uma dona. Uma dona da casa da qual ele nunca poderia se mudar. A dona do jardim.

Dona era Margarida, que sabia de tudo. Acordava alegre, pronta para animar a quieta da Violeta, que, com suas humildes palavras, se contentava em consolar as viúvas nas noites posteriores às tardes de brincadeiras das crianças pelo jardim - sempre uma ou outra pisoteava as flores, sem querer, atrás da bola. E era uma tristeza entre os moradores da terra fofa.

Foi naquele dia que Hibisco e Margarida, com a confirmação quieta de Violeta, decidiram: fariam da vida de todas as flores algo mais feliz. Brilhariam mais. Até daquela Couve-flor, largada, isolada, que em nada se parecia com as outras.

- Sabe, o que ela precisava era de um Girassol...

- Mas quem precisa do Girassol é a Jasmim!

- Tem razão, para que ele pare de girar pelo sol e passe a girar por ela. Ele precisa sosssegar!

- Assim como a Rosa! Ela deve parar de tratar tão mal o Cravo, só porque um dia de mau-humor ele brigou com ela...

- Sabe, acho que os dois se resolvem, não acha, Violeta?

Violeta concordou. Ela sempre concordara.

- Margarida, e a Couve-flor.. você nunca fala dela!

- Também, olha lá, coitada, em um canto... Eita flor mais feia!

Não sabiam as flores, que dentre todas as flores, era ela capaz de mudar de casa. E ir do jardim para a panela, da panela para o prato, do prato para a boca, da boca para o estômago... E fazer alguma pessoa mais feliz, fazia da sua morte uma alegria para alguém.

- Vamos chamá-la para conversar com a gente!

- Não, ela me parece imersa em seus próprios pensamentos. Temos é que fazer algo que ajude a todos.

- Começaremos falando para o Girassol que a Jasmim está caidinha por ele. Até deixou umas pétalas na grama para ele. Depois, para a Rosa parar de se achar, diremos a ela que o Cravo está bem feliz sem ela.

- Depois podemos dar uma festa em comemoração aos casais, uma festança, podemos até chamar as flores do outro jardim. Ah! Adoro festas! Posso até trocar essas minhas pétalas, e então...

- Ahm... É... Er... Posso sugerir alguma coisa?

- Diga, Violeta! Finalmente você abriu esse seu miolo para falar alguma coisa!

- Porque vocês... não... param de falar dos outros? Para mim, parece ser a melhor coisa que vocês podem fazer por todos. É bem melhor. E menos irritante.

Hibisco e Margarida ficaram boquiabertos. Nunca imaginavam ouvir uma coisa dessas. Refletiram. E se calaram. Para sempre.

Violeta, não, às vezes põe-se a cantar. Pode reparar.

[personagens apareceram com a colaboração de um cara que vive pensando torto. 15.12]

5 comentários:

Maria Joana disse...

deu vontadinha de quero mais essa vida no jardim...

=]

Ana Paula Saltão disse...

como você escreve gracioso... x)
acho tão bonito.

Fontes disse...

haha, gostei! Bem melhor que aquele rascunho no labri.

Obrigado pela citação, menina.

Fontes disse...

Estou meio bêbado e ouvindo Cartola.

Passeando pelos seus posts antigos, é a segunda vez que seu blog ajuda a mudar minha vida.

Felipe Lobo disse...

Quase dá para sentir o perfume das flores que vc traz nas palavras. Sua dose é sempre certa, entorpecente, deliciosa, viciante.