sexta-feira, 4 de abril de 2008

Pequenices

(I)

Olhou bem para a mãe, que se perdia em meio a tantos pensamentos enquanto cozinhava o arroz. A cadeira, gigante, a esperava. Empurrou o mostrengo para perto do interfone e começo a escalá-lo.

-Num vai cair...

Não deu ouvidos. Como todas as crianças, ela não precisava se preocupar com o fato de se machucar, não tinha motivos para previnir-se -ainda era tão pequena que se curaria em instantes de qualquer coisa. Colocou o joelho na cadeira, puxou seu corpo com os braços para que a outra perna alcançasse a mesma posição deste e subiu. Finalmente. Do alto, avistou sua mãe. Quase podia enxergar como ela enxergava. Quase não, porque ainda faltavam uns bons decímetros, mas os 50cm de cadeira já eram um avanço.

-Cuidado, filha...

Não desceu. Ainda não havia atingido sua meta: o interfone. Estendeu os braços. Ficou na ponta dos pés. A cadeira andou, fazendo um ruído horrososo, agudos, daqueles que fazem quando são arrastadas nos chãos das cozinhas. Segurou-se no aparelho. Cambaleou.

-Desce daí! Não quero ter que levar filha minha pro hospital! Querida, vem pra cá, vem, fica aqui pertinho.

A mãe largou a panela, observar só não adiantava, tinha que agir. Viu que ela tirara o interfone do gancho. Parou.

-Por favor, você poderia ligar para o 192?

Seus olhos se encheram de lágrimas. Sua filha, pela primeira vez, ligando para a amiga. Interfonando para a vizinha. Por livre e espontânea vontade. Sozinha. Sem a ajuda de ninguém. E tinha apenas 2 anos. 2 anos!? Esqueceu-se dos machucados, da filha chorando no chão caso caísse, dos excessivos cuidados de mãe coruja. Era sua bonequinha, agindo como uma mocinha, atingindo seus objetivos, e deixando-a orgulhosa. Toda a preocupação tranformara-se em satisfação. Em apenas alguns segundos.

-Mãe, ela vai vir pra cá. Me ajuda a descer? -disse, estendendo os braços.

Recebeu mais: um abraço.

(II)

-Não tiro.

-Tira sim, vai. Você já está grandinha. Já está mais do que na hora de largar essa chupeta. Pelo menos para dormir. Me dá.

-Ah mãe, eu durmo sim com a minha chupeta. Você só pede pra que eu tire porque não sabe o que é dormir sozinha. Você tem o papai para te acompanhar. Eu tenho a minha chupeta.

E continuou acompanhada por um bom tempo.

(III)

-Em boca fechada não entra mosca.

-E também não entra chocolate!

[melhor do que ouvir histórias é saber que você era a personagem.]

6 comentários:

Anônimo disse...

...
Acho que a parte I foi a coisa mais bonitinha que li em muito tempo! E isso é um elogio, e dos bons!
Parabéns...
Beijos.

Tulio Bucchioni disse...

Você continua sendo sapeca.E espertinha.E pequenina.
E de uma originalidade!


O que mais preciso dizer?Que eu agradeço por ter te conhecido?
Sim, sou definitivamente sortudo!
Besos smallice!

Clara disse...

Alice, que fofa, você!!!
Depois dessa, com certeza vai ser madrinha do meu filho ;p

poxa, e que menina prodígio... com 2 anos e já ligando *_*
mas pelo jeito só tem prodígio mesmo nessa usp... dps de ler seu blog e o do túlio, estou cada vez mais convencida da minha sorte em ter conseguido passar!

bjuxx, élice :D

Maria Joana disse...

Smallice!!!
Estava falando.. todos esses jornots são blogueiros e eu não sabia. linkando você. só não li o texto agora pq to fazendo o tal do trabalho do eduardo

Beijo

Maria Joana disse...

ahhh. tomei vergonha na cara e vim ler o texto. Nossa, você era mesmo criança prodígio! dois anos interfonado.. sabia até o apartamento da amiguinha! ... o máximo de bonitinho que eu fazia era falar errado!

Artur Villela disse...

Gostei dos 3, do I principalmente.
Um sentimento diferente, de nostalgia, alegria e tristza num domingo aparentemente comum.