domingo, 8 de agosto de 2010

Vidas

E de repente, ela envelheceu. Não era dia do seu aniversário. Mas estava velha. Se sentia velha. Olhava para o espelho e suas rugas denunciavam por quanto já havia passado para ser o que é hoje (apesar de não saber muito bem o que era). Olhava para o lado da cama e via um senhor, idoso e com problemas cardíacos.

Ele já era velho quando se conheceram. Ela era moça. Perdida. Fugira da casa dos pais aos 16. Não aguentava mais a mãe bipolar - e viciada em remédios. Mudou-se para a casa da tia (lésbica). Saiu. Virou hippie. Cheirou, bebeu. Dormiu em qualquer lugar. Inclusive com o velho - que tinha uma bela casa na praia, dava festa para intelectuais e era... Casado.

A mulher dele se matou. Na frente dela. Com um tiro na boca. Seu fantasma a acompanhou por toda sua vida. Agora tinha que fazer o homem por quem a outra se matara feliz. Ou não conseguiria ser feliz. Tentou ser a melhor esposa possível. Vivia para ele. Por ele.

Até virar mãe, quando passou também a viver para os filhos. Agora eles eram grandes.
Crescidos e vacinados. Não precisavam mais dela. Um deles, rapaz estudioso. A outra, uma menina rebelde e independente. Não conseguia entender a vida da mãe, a via com nojo: era submissa, não trabalhava. Vida inútil. Dona de casa. Sobrevive às custas do marido. Sobreviveu às custas do marido. A vida inteira. Inteira?

Inteira da filha, pelo menos. Desde que nasceu, viu a mãe em casa. Levando-a para a escola. Buscando-a. Servindo o almoço. Viviam bem, afinal. O pai era dono de uma editora. Não precisavam ter outra pessoa trabalhando para o sustento da família. Sustento financeiro, digo.
E emocional? O que era ela? O que era sua vida? Para a filha, uma fracassada. Mal sabia que... Mal sabia por tudo que tinha passado. O que tinha passado? Tinha um passado?

Para os outros, era um enigma. Seu presente, passado e futuro eram um mistério.

Até que... O marido morreu.

E ela renasceu. Estava nova.

Ele se foi. E junto a ele, seu presente opressor. Seu passado escondido. E seu futuro óbvio.

Libertou-se.

Do quê?

[Ok, se você já viu A Vida Íntima de Pippa Lee, reconheceu a história. Se você não viu, eu acabo de tirar grande parte da graça do filme. Assista se quiser. E já aviso: o final é tosco]


Um comentário:

Maria Joana disse...

Pô, Alice, como você vai fazendo spoiler sem avisar que é spoiler. Mancada, hein? =P