Aos 30 anos, Zeca segue sem saber o que fazer de sua vida. Vivendo da mesada da falecida mãe, casado com a bem sucedida Júlia e empacado na 50ª página de um romance, o dito escritor passa os dias sem saber o que escrever, nem para onde ir. Esse é o clima de Histórias de amor duram apenas 90 minutos, filme de Paulo Halm.
O tempo vai passando, o protagonista vai se pressionando para sair de seu bloqueio criativo e vai se angustiando com um relacionamento que após 5 anos, já não dá tudo que ele procura. Tempo. Fator importante em sua trama. Literatura, de certa forma, também: ela se confunde com a vida, e o bloqueio literário pode ser também um bloqueio de sua vida pessoal. Drama, comédia e romance são outros elementos que fazem parte do filme, mesclando aspectos existencialistas com o riso, melhor forma do escapismo, e romance – afinal, trata-se sobre relacionamentos.
Em busca por inspiração, os dias do rapaz interpretado por Caio Blat são resumidos em andanças pelas ruas de um Rio de Janeiro diferente do que se vê nas novelas ou em outros filmes, cercado de favelas. Um Rio de Janeiro não mais cheio de belezas, cidade maravilhosa. Nem Ipanema é tão bonita assim. A ambientação do filme, a fotografia, tudo leva a certo tédio, ou melhor, a uma cidade normal, a uma vida normal. Tão normal que de nada se pode inspirar. Daí seu bloqueio criativo. Ao rondar pelo Rio, Zeca vê diversas mulheres, imagina histórias. Não as escreve, nada o estimula tanto assim. Sem contar na pressão para escrever seu livro, que desfavorece a criatividade e é aumentada a cada visita que faz ao pai, vivido por Daniel Dantas.
Sem rumo, o protagonista não consegue progredir com sua escrita e, ao mesmo tempo, estaciona com sua própria vida. O casamento está num impasse. Ela fazendo seu doutorado. Ele não fazendo nada. Ela está sempre ocupada, estudando. Ele está sempre preocupado, andando, perdido. Ele quer sexo - muito. Ela não tem tempo para isso. Ou tem, mas não tanto quanto ele queria.
Ao voltar mais cedo para casa após um dia qualquer, flagra sua mulher com Carol, amiga argentina. Dá-se início às dúvidas, e à história (de amor, que, lembre-se dura apenas 90 minutos). O rapaz começa a imaginar sua mulher traindo-o com a melhor amiga. E mais: passa a se envolver tanto com sua imaginação que se perde entre a realidade e a ficção. Começa a se apaixonar por Carol, argentina, dançarina de tango, leve – o oposto de sua mulher, mas tão decidida e independente quanto.
Se por um lado, o personagem deixa de escrever um romance, por outro ele começa a escrever seu romance. Sua vida passa a estar dividida entre o que é real e o que é imaginado. Ama as duas. E acredita que as duas se amam. Acredita que as duas o amam. A narração em primeira pessoa reforça o caráter duvidoso do romance entre as mulheres, cujas cenas aparecem apenas no imaginário de Zeca, e é um elemento imprescindível para a obra.
Dessa forma, cria-se um jogo entre o que o rapaz deveria fazer (inventar um romance!), o que ele está fazendo (inventando um romance) e como ele está fazendo (com sua própria vida). Os diálogos são rápidos, os conselhos dados por seu pai são primorosos e cômicos. A história vai passando, os minutos vão levando ao final do filme. Ao final da história de amor. Amor?
A forma como é conduzido o filme leva o público a rir da incapacidade de Zeca de seguir uma vida “normal”, esperada por um cara de 30 anos. Ele está perdido. É sinal da tal geração perdida. Não conseguindo inventar a história de seu livro e cansado com a sua própria história (o protagonista sempre foi atraído pelo suicídio, apesar de não apresentar um caráter suicida), ele começa a inventar a sua própria história. Começa a imaginar coisas. Apimenta sua vida imaginando uma traição de sua mulher com outra. Outra mulher. Melhor ainda quando começa a se envolver com a outra, sem que sua mulher saiba. Melhor? Até certo ponto. Afinal, histórias de amor duram apenas 90 minutos. E depois dessa historia de amor o que lhe resta? O livro. Empacado? Talvez. E a vida?
terça-feira, 30 de março de 2010
A vida dura mais que 90 minutos
segunda-feira, 29 de março de 2010
Os incomodados não se mudam
Favela. É o que se mostra logo na primeira cena, na primeira imagem do filme Os Inquilinos, de Sério Bianchi. Barracos amontoados, que mesmo com a abertura da câmera, se mantêm praticamente infinitos, inúmeros. Extremamente parecidos, acabam por invadir a tela. Em um primeiro momento, pode-se pensar: “mais um filme retratando a pobreza brasileira...”. Não. Definitivamente não o é.
O enredo pode ser considerado, de certa forma, simples: três bandidos passam a morar na casa ao lado da onde vive a família central do filme - a dona de casa, Iara, seu marido Valter e as duas crianças. A proximidade de ambas as casas faz com que a vida da família seja invadida pelos novos inquilinos. Festas até madrugada, xingamentos e violência, passam a fazer parte da rotina familiar, sendo presente nos diálogos do casal, em suas reclamações, em seus medos, em sua curiosidade. O som proveniente dos vizinhos incomoda. As ações dos mesmos incomodam. Os vizinhos incomodam.
Valter, que trabalha carregando pacotes de maçãs e estuda no supletivo à noite, sente-se desconfortável desde o princípio. Mais do que isso. Preocupa-se com a possibilidade de aproximação dos estranhos com sua família, a qual ele, como progenitor, tenta – ou deveria - proteger. O filme é permeado pelo desconforto gerado pelos novos inquilinos, reforçado seja pela trilha sonora, pela fotografia ou pelas próprias cenas (algumas escuras, fortes, com sobre posicionamento de imagens em dados momentos, ou ainda de flashback).
Mais do que as dificuldades pelas quais passam os personagens, moradores de uma região pobre e periférica de São Paulo, há o sentimento de impotência rondando a película, principalmente na forma do personagem masculino. E o cansaço perante ela. Valter passa o dia inteiro fora. Teme pela morte de alguém. Dele, talvez. Insiste com seu patrão para ter sua carteira assinada, “nunca se sabe, ainda mais com filho pequeno pra criar...”. Incerteza do que possa vir a ser seu futuro.
Enquanto isso, os três rapazes passam o dia na base de cerveja: “não trabalham”, diz Iara, que começa a acompanhar a vida alheia – agora invadida e misturada a sua. Misturada até certo ponto, pois a própria personagem afirma e reafirma como forma de se convencer: “Nós não somos essa gente”. Não o são. As crianças vão para a escola, o marido tem seu emprego, a família vive numa casa de classe média baixa, herdada do pai de Valter, quem a construiu tijolo por tijolo.
Não são as armas, os tiros, a violência, a pedofilia ou a prostituição elementos fundamentais da trama. Eles, inclusive, passam em segundo plano. Não são os xingamentos, as palavras sujas ditas pelos bandidos, as principais palavras das falas do filme. Muito pelo contrário: não é o clichê da periferia que é mostrado. É um dilema superior, quase existencial. É a aflição de uma família sufocada pela presença ameaçadora de bandidos, pela presença do desconhecido. É o medo. A fraqueza de pessoas honestas. Desprotegidas.
Com isso, não se tem um filme de favela ou de pobreza, e sim um filme de dilemas de uma classe que tenta sobreviver em meio a intempéries. De um pai trabalhador, de uma mãe que passa o dia acompanhando o cotidiano dos bandidos para com mais certeza, afirmar: não pertencemos ao mesmo tipo de pessoa que eles.
Não são o mesmo tipo de pessoa que “eles”, os inquilinos, mas também não estão sozinhos em meio a essa presença. A cena final mostra Valter misturando-se aos outros moradores do bairro, a caminho do trabalho, como todos os dias. O plano picado, com a câmera alta, coloca-o como mais um, entre a multidão. Mais um que segue com suas dúvidas, suas certezas, seus medos e aflições. Mais um que segue com sua vida.